No romance de António Lobo Antunes, Comissão das lágrimas, publicado em 2011, é Cristina a personagem mediadora das vozes que trazem os testemunhos da violência no contexto pós-independência de Angola, ex-colônia africana, após treze anos de Guerra Colonial. Neste período, o país africano vivia experiências de violência, miséria, perseguições, fugas, enfim traumas diversos. O título da obra remete a uma comissão, com fama de ser muito violenta, que teria sido instalada com o objetivo de perseguir possíveis opositores ao partido que estava no poder em Angola. Pretendemos estudar, neste romance, a configuração da escrita de caráter testemunhal da experiência traumática nesse período. Cristina não vivenciou as experiências traumáticas narradas, apenas assume a função de mediadora do testemunho das vozes que surgem no romance, em que se entrelaçam tempos e espaços, numa tessitura de narrativas múltiplas que apresentam sentimentos e ressentimentos obscuros encerrados na memória dos sujeitos. Essa passagem do real para o relato contribui para a reconfiguração das identidades aniquiladas pela violência. Comissão das lágrimas, como um tecido de histórias narradas, potencializa, assim, na escrita do testemunho, a refiguração dessas identidades, tanto individuais, quanto coletiva. Quanto à coletividade, tem-se a referência à identidade nacional, basilada no mito de nação imperial, tocando também cotidianamente problemas como o dos “retornados”. Como aporte teórico, utilizamos autores como Paul Ricoeur, Beatriz Sarlo, Seligman-Silva, Bakhtin, bem como diversas contribuições da fortuna crítica do escritor.
Palavras-chave: António Lobo Antunes. “Comissão das Lágrimas”. Testemunho.