Dentre os traços recorrentes à longa trajetória intelectual do ensaísta francês Roland Barthes (1915-1980), seus constantes desvios (isto é, as frequentes rupturas e retomadas empreendidas sobre seu próprio trabalho) são um dos principais fatores que dificultam sua circunscrição a qualquer traçado teleológico. Em vez disso, tais desvios dão relevo à intempestividade e à inquietude, reanimando reflexões supostamente já cristalizadas, incitando à retomada de seus escritos sob novas perspectivas, propondo, ao cabo, uma incomum reabertura dos próprios conceitos sobre os quais se assenta. Acredita-se ser este o caso de um possível diálogo entre “O Grau Zero da Escrita” (1953), sua estreia editorial, e seu último curso ministrado no Collège de France, “A Preparação do Romance” (1979-1980). Mais precisamente, o que se propõe aqui é a discussão das diferentes propriedades da conjunção entre os termos “história” e “poesia” nestas duas obras. Pois, em “O Grau Zero da Escrita”, Barthes tece severas críticas à poesia moderna em razão de sua suposta esquiva diante da história; críticas, estas, que, em certa medida, justificam o inexplicável silêncio do ensaísta em relação à poesia na maior parte de sua obra. Já em “A Preparação do Romance”, singular propedêutica do fazer romanesco, o ensaísta exime-se de qualquer compromisso estrito com a história, o que abre espaço à presença maciça da poesia (precisamente, do haicai oriental, mas não da poesia moderna) em sua reflexão. Diante disso, o que se pretende é um contraposição entre essas duas obras centrada na relação entre poesia e história, atentando para o fato de a ostensiva discussão do haicai oriental em “A Preparação do Romance” poder alterar, e substancialmente, as ressalvas de Barthes à poesia moderna em “O Grau Zero da Escrita”.