O presente trabalho pretende fazer uma análise de Silas Flannery, personagem do
romance de Italo Calvino (1979), Se um viajante numa noite de inverno, a partir de uma leitura
sobre os conceitos de contemporaneidade de Giorgio Agamben (2009) e Karl Erik
Schollhammer (2009). O escritor atormentado por sua incapacidade de escrever o livro que
considera possível de ser escrito apenas por alguém que não existe - o que ele chama de
"verdadeiro livro" -, pode ter seus desejos de captura do "mundo não escrito" comparados à
ideia de fratura temporal de Agamben sobre o contemporâneo. Paralelamente, a impossibilidade
de vanguarda trazida por Zygmunt Bauman (1998) confronta o desejo do – aqui considerado –
alter ego de Calvino, o escritor Silas Flannery, em se tornar um artista sensível a esse
obscurantismo possível ao mundo presente. Trazer a figura do autor como uma figura
atormentada entre seus desejos de leitor e sua própria produção dentro de uma pesquisa já
iniciada sobre a arte da leitura a partir do dado romance de Calvino, permite um olhar apurado
para o outro lado do discurso proposto por ele, dentro do mesmo romance analisado. Como traz
Bauman, o artista contemporâneo - e consequentemente o escritor - sente a necessidade
incorporada no imaginário coletivo da atualidade de romper com padrões de forma radical; esse
é o caso de Silas Flannery. Assim como traz fortemente os percalços de uma leitura confusa,
permeada por aparentes problemas de distribuição, diagramação, edição - crítica própria de Italo
Calvino sobre o que é publicado na atualidade – em Se um viajante não se esquece também do
tormento do escritor que responde às expectativas do grande público, mas não às suas próprias
expectativas de leitor atento e com denso repertório cultural. Manter-se contemporâneo seria,
talvez, o desafio que enfrenta densamente o personagem, Silas Flannery, e que é proposto por
Bauman, Agamben, Schollhammer e, porque não dizer, Calvino.