Antes dos estudos de Todorov acerca do gênero fantástico, na década de 1970, “a crítica
designava como fantástica toda narrativa de fatos que não pertenciam ao mundo real, contrariando
a realidade que nos cerca” (BATALHA, 2011, p.13), caracterização pois bastante abrangente, que
englobava desde o onírico ao sobrenatural, tendo sido usado para designar as mais diferentes
manifestações literárias, às vezes de gêneros não afiliados entre si, dificuldade que remonta às
“diferentes concepções filosóficas do final do século XVIII” (CESARANI, 2006, p. 12). Além
do mais, o termo fantástico foi muitas vezes usado como sinônimo de excêntrico, mirabolante e
exagerado (cf. VOLOBUEF, 1999, p. 199). Por isso, o termo foi em alguns autores tomado como
equivalente a fantasia e vice e versa. Ora, não há uma mesma realidade, com o mesmo valor
cultural para todas as épocas. Seria, portanto, um gravíssimo erro simplesmente opor fantástico a
real sem considerar as implicações sócio histórico e culturais pertinentes uma vez que a realidade
é uma construção complexa cujos valores dependem de uma série de relações que envolvem tanto
a religião, como política, língua, arte e ciência (Cf. OROPEZA, 1999). Sendo assim, o gênero
fantástico não é e nem pretende ser antônimo de real. Paradoxalmente parte de um sistema realista
para questionar o que se entende por realidade num dado momento histórico e cultural. Dessa
forma, e de acordo com Jean Fabre, “o efeito de real não é um simples acessório estilístico”
(FABRE Apud BATALHA, 2012, p. 499) do fantástico, mas elemento crucial para a irrupção do
inexplicável. Há pois uma flutuação entre aquilo que se considera como fantástico ainda hoje,
haja vista os pontos de encontro entre o gênero fantástico e outros gêneros literários tais como o
romance gótico e o realismo mágico, por exemplo (Cf. CAMARANI, 2014). Ademais, os estudos
do gênero em causa, desde Todorov, parecem seguir “duas tendências contrapostas”. A primeira
limita o gênero a determinadas estratégias narrativas e temas e o localiza historicamente no século
XIX. A segunda o alarga de tal modo a abranger não somente outros períodos históricos como a
abraçar os outros gêneros com os quais se imbrica, como uma espécie de macro-gênero ou
modalidade literária. (Cf. CESARANI, 2006, p. 8, 9). Ciente disso, o presente trabalho, seguindo
a primeira tendência, ocupar-se-á da discussão acerca de um fantástico genológico a partir das
considerações teóricas de Tzvetan Todorov (1970), Jean Bellemin-Noël (1072), Felipe Furtado
(1980) e Pampa O. Aràn (1999).