Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV CONGRESSO INTERNACIONAL ABRALIC
CARTOGRAFIAS DO PASSADO
Thomas Alves Häckel (UERJ)
A resistência à forma romance tem sido anunciada como prática usual da contemporaneidade, em textos que costumam manipular procedimentos tradicionais da ficção narrativa para expressar as construções de sentido feitas de acontecimentos e fatos. Tal aspecto formal é fruto de um questionamento da mediação sobre as vozes presentes em narrativas e a maneira que são narradas. Parece ser o caso de Machado, livro cuja matéria prima parece não ser mais o sujeito presente ante si mesmo, isto é, a vida de Machado de Assis, mas a teia de relações e de espaços entre seres e coisas composta num intervalo narrado, isto é, a belle époque. A partir disso, desejo abrir uma leitura crítica que concatene questões entre o presente narrado e o presente contemporâneo. É interessante lembrar que o livro se constrói a partir de estratégias autoficcionais do autor-narrador, como o uso de fotografias e imagens, registros médicos, cartas, enfim, informações que flertam entre a fabulação ficcional e a realidade histórica sobre uma gama de personagens e suas relações sociais no momento narrado. Com esse rasgo causado pela literatura na história, o autor abre um diálogo entre memória, cultura e literatura. O contexto recriado na obra apresenta transformações da modernidade no Rio de Janeiro, configuradas pelo eixo do progresso e da civilização, desde o crescimento do capitalismo e das mudanças materiais (como meios de transporte, moda, distribuição voraz de mercadorias etc) até as alterações sensoriais (novas experiências no corpo e na percepção do ser humano) e o desenvolvimento de uma sensibilidade estética que alia a vida urbana com o fascínio das novas tecnologias. A escolha do autor em trazer a epilepsia como clave de construção temática, e, ao meu ver, textual e formal, buscada numa série de personas (Flaubert, Machado de Assis, Mário de Alencar) denota a decisão de trazer um discurso incomum para falar sobre a belle époque, construído no jogo biográficoficcional da vida dos narrados, das sobreposições de tempo e mudanças arquitetônicas, organizando o texto narrativo por uma cartografia de relações operadas para além de um indivíduo como foco principal. Esses temas não são desmotivados, senão para mostrar que há dois níveis de disputa de discursos presentes na obra: os da vida literária e intelectual do período e os diversos gêneros mesclados na obra (crítica, ensaio, confissões etc.) O autor, com isso, assinala um olhar para trás que se contrapõe ao olhar para o futuro da modernidade científica, fato perceptível pelo uso ficcional de elementos reais e não-literários como instrumento para reforçar uma memória cultural, a partir da escolha feita sobre o que observar: a epilepsia, o Hospital dos Alienados, a reforma do palacete de Miguel Couto, o debate entre ciência médica e homeopatia etc. O escopo desse trabalho será formulado em dois pontos: apresentar uma reflexão sobre as estratégias de autoficção contidas no romance; e traçar uma relação entre memória, cidade e literatura a partir do intercâmbio entre discursos e o funcionamento da narrativa como uma rede de relações, tempos e olhares sobre o passado narrado.
Palavras-chave: Autoficção; Memória; Belle Époque; cultura
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