Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A NOÇÃO GIRARDIANA DE MÉCONNAISSANCE, E SEU PAPEL EM "FACUNDO" E "O GUARANI"
PEDRO SETTE CÂMARA E SILVA, JOÃO CEZAR DE CASTRO ROCHA
Na obra de René Girard, a noção de *méconnaissance* desempenha um papel fundamental. Porém, essa noção não é um conceito de um jargão especificamente girardiano, mas uma palavra da língua francesa corrente que o pensador francês, com seu estilo ensaístico, adota com frequência. Em francês, porém, a palavra *méconnaissance* abrange um campo semântico maior do que seus correspondentes em português conseguem abranger: se em alguns casos ela pode ser traduzida por “desconhecimento”, por “ignorância”, ou até por uma perífrase, em outros casos a tradução pode levar a uma perda real de significado cuja consequência seria uma incompreensão de um ponto-chave da teoria do desejo mimético e da teoria do bode expiatório como origem da cultura. No artigo “De la Méconnaissance” (*Lebenswelt: Aesthetics and Philosophy of Experience*, nº 1, , acesso em 1 de junho de 2016), Paul Dumouchel propõe uma compreensão da *méconnaissance* que, distanciando-se da noção de conhecimento como “crença verdadeira ou justificada”, parte da visão de Karl Popper do conhecimento como “artefato exossomático”. Se o conhecimento é visto como instrumento que permite uma determinada ação sobre o mundo, a *méconnaissance* não é nem seu contrário, nem seu oposto, mas, no plano individual, uma forma de “mentira contada a si mesmo” ou uma organização dos dados de certa situação com vistas a uma resultado pré-desejado. Dumouchel ao mesmo tempo exemplifica a ambiguidade do termo *méconnaissance* e resume o papel que ela desempenha no plano da cultura: “(…) a ignorância que as culturas manifestam em relação a sua origem violenta normalmente não é concebida por Girard como mera ausência de conhecimento, mas como o resultado de um recuo, ou de uma recusa em explorar um corpo de conhecimento que, devidamente questionado, revelaria a verdade sobre a origem” (p. 104). Efetivamente, como diz o próprio Girard em *La Violence et le Sacré* (Paris: Hachette, 1972), “[A] substituição sacrificial supõe uma certa *méconnaissance*” (p. 15). Trata-se, portanto, de uma organização dos dados relacionados à origem orientada pela ocultação de uma certa violência. Dumouchel acrescenta ainda , referindo-se aos sistemas culturais modernos, que “é a interação entre *méconnaissance* e revelação que move o sistema” (p. 105). A formulação sugere, por sua vez, que os textos considerados fundadores desses sistemas culturais contêm essa interação na forma de um impasse: nos casos de *Facundo, ou Civilização e Barbárie nos Pampas Argentinos* (1845), de Domingo Sarmiento, e de *O Guarani* (1857), de José de Alencar, a tentativa de servir a um projeto de nação fracassa na medida em que o conhecimento da violência demonstrado em cada obra interage com a *méconnaissance* a respeito dessa mesma violência; desse modo, *Facundo* e *O Guarani* são textos que denunciam a si mesmos.
Palavras-chave: MÉCONNAISSANCE, ROMANCE DE FUNDAÇÃO, JOSÉ DE ALENCAR, DOMINGO FAUSTINO SARMIENTO
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