A teoria mimética elaborada pelo teórico francês René Girard (1923-2015) germinou através da literatura. Para Girard, escritores modernos como Cervantes, Stendhal, Flaubert, Proust, Balzac, Camus, Dostoieviski e Shakespeare criaram textos literários em que refletiram sobre o desejo mimético e exploraram algumas de suas conseqüências. Considerando-os como os grandes autores, Girard denominou tais escritores de romanescos em Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961). Neste trabalho, analiso um conto da escritora Carson McCullers (1917-1967) sob a perspectiva girardiana, investigando se a autora também reflete sobre o desejo mimético. Carson McCullers (1917-1967) e René Girard (1923-2015) preocuparam-se marcadamente com a questão das vítimas em suas obras. Girard, na teoria mimética destacou a questão das vítimas através do mecanismo do bode expiatório especialmente em A Violência e o Sagrado (1972). Em seus contos e romances, McCullers apresentou personagens que podem ser consideradas outsiders e portanto, na perspectiva da teoria mimética, bodes expiatórios em potencial tais como forasteiros, crianças, adolescentes, alcoolistas, surdo-mudos e outros. Os outsiders da ficção de McCullers podem ser considerados potenciais bodes expiatórios por possuírem frágeis vínculos com a comunidade a que pertencem, em uma relação análoga às vítimas dos sacrifícios nas sociedades arcaicas analisadas por Girard, tais como prisioneiros de guerra, escravos, crianças, adolescentes solteiros, indivíduos defeituosos, o pharmakós grego e, em certas sociedades, o rei. Neste trabalho, analiso o conto “O Transeunte” e a personagem John Ferris na perspectiva da teoria mimética como um possível bode expiatório em potencial, considerando a figura do viajante (ou estrangeiro) implicada no título “O Transeunte”, no original, “The Sojourner”, que significa peregrino, hóspede. O conto “O transeunte”, da coletânea The Ballad of the Sad Café and Other Stories (1943) narra o encontro entre John Ferris (que viaja de Paris à Geórgia para o funeral de seu pai) com sua ex-esposa Elizabeth, que reside em Paris com um novo marido e dois filhos. Esse encontro poderia detonar sentimentos baixos de inveja e ciúme, mas termina revertido em um novo comportamento positivo por parte de John Ferris. Através da resolução de uma situação de tensão e de potencial conflito, investigo a consciência de McCullers sobre o desejo mimético e a criação de saídas para a superação da reciprocidade violenta (muitas vezes derivada de relações de proximidade entre sujeitos e modelos na perspectiva da teoria girardiana) através de sentimentos como amor e compaixão. A busca por situações contrárias ao revide, à vingança, ao ressentimento e a outros sentimentos baixos derivados de relações interdividuais que se tornam permeadas pela competição e disputa pelos mesmos objetos segue a terceira intuição girardiada presente em Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo (1978). Nesse livro, os textos bíblicos são opostos aos mitos de fundação de sociedades arcaicas por não acreditarem na culpa da vítima e não a culparem pela crise social previamente instalada na comunidade, mas apontarem para a inocência da vítima e para o comportamento violento da multidão que a persegue, deflagrando o potencial violento das relações humanas e as possíveis saídas e alternativas contrárias a essa mesma violência.
Palavras-chave: TEORIA MIMÉTICA, RENÉ GIRARD, CARSON MCCULLERS, VIOLÊNCIA