FERNANDA REIS DA ROCHA, HELENA BONITO COUTO PEREIRA
Nesses últimos anos, o período ditatorial desdobrou-se como um tema amplo de pesquisas devido aos seus aspectos que permaneciam obscuros e sem uma resolução oficial - como a problemática dos desaparecimentos políticos, a possibilidade de abertura ou não de documentos políticos e secretos, a busca por reaver corpos de antigos militantes sepultados ilegalmente em diversos cemitérios nacionais e a tentativa de punir judicialmente todos aqueles relacionados, direta ou indiretamente, com a prática da tortura. A gradativa representatividade conseguida pelos órgãos legais formados pelos familiares e amigos de mortos e desaparecidos pelo regime destaca-se como um dos polos propiciadores da luta por tais mudanças. A figura feminina, desde o momento em que passou a contestar valores e instituições tradicionais e patriarcais (como a família e o casamento), a defender a igualdade de direitos nos mais diferentes âmbitos (profissional, político, econômico, cultural, sexual), e a procurar variadas formas de expressar-se e tornar seus pensamentos, sentimentos e ideais públicos, tornou-se um foco temático procurado e analisado por inúmeras áreas cientificas e humanas. Incontestavelmente, a literatura brasileira apresentou-se como uma das produções culturais interessadas em discorrer, ficcionalizar e interpretar tanto o regime totalitário como as sensíveis transformações internas e externas experimentadas pelas mulheres. A partir de 1964, visando abarcar, refletir e alegorizar o difícil e polêmico contexto político, muitos serão os escritores dispostos a empregar recursos como a fragmentação, a montagem e a descentralização não apenas na construção material de seus textos, mas também na base de estruturas narrativas fundamentais, como a personagem. Dessa forma, o próprio sujeito ficcional assumir-se-ia como um simulacro dos conflitos, das angústias, dos desencontros e das incertezas dos homens e mulheres da contemporaneidade (SILVERMAN, 2000; OTSUKA, 2001). Entre as obras contemporâneas preocupadas em debater ambas as temáticas, selecionamos K. como escopo central do presente trabalho. Escrito pelo professor e jornalista Bernardo Kucinski, publicado em 2011, acolhido positivamente por leitores e críticos e merecedor de duas menções honrosas em 2012 (concedidas pelo Portugal Telecom de Literatura e pela União Brasileira de Escritores Rio de Janeiro - UBE-RJ), acompanhamos a saga homérica de um pai em busca de sua filha e de seu genro, que assim como milhares de brasileiros, “[...] foram desaparecidos [...]” (KUCINSKI, 2012, p. 26) pelo governo militar durante a década de 1970. Em meio a um relato fragmentado e mesclado a estórias paralelas – mas com intersecções possíveis entre si - a figura feminina central destaca-se por uma forte carga emocional, uma irremediável influência na história de vida dos demais personagens e por uma característica marcante: o silenciamento, interpretável tanto sob o prisma do contexto ditatorial brasileiro como pelas questões sociais e de gênero.
Palavras-chave: LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA, BERNARDO KUCINSKI, PERSONAGEM FEMININA, DITADURA MILITAR BRASILEIRA