Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
UM MUNDO PARALISADO À ESPERA DE MOVIMENTO - UMA LEITURA DE RELATO DE UM CERTO ORIENTE, DE MILTON HATOUM
VALDIR PRIGOL
O título deste trabalho, retirado do início de Relato de um certo oriente (1989), aponta para uma questão fundamental do trabalho de Milton Hatoum: a memória. Neste livro e nos demais que vieram depois – Dois irmãos (2000), Cinzas do Norte (2005), Órfãos do Eldorado (2008), A cidade ilhada (2009) e Um solitário à espreita (2013) – quase sempre temos narradores órfãos, que, no presente transformado em ruína, procuram, a partir das suas memórias e dos outros, colocar em movimento mundos paralisados. Neste aspecto, Relato de um certo oriente é um livro impressionante porque a voz da narradora ocupa o primeiro capítulo, no segundo ela passa a voz para o Tio Hakim, este passa a voz para Dorner (capítulo 3), que passa a voz ao pai de Hakim gravada em uma entrevista (capítulo 4), volta para a voz de Dorner e Hakim retoma (capítulo 5), retorna para a voz da narradora (capítulo 6), depois ela passa a voz para Hindié (capítulo 7), e o livro finaliza com a voz da narradora (capítulo 8). Esse procedimento retornará, com variantes, nos outros textos do autor. Pensando ainda em Relato, a narradora volta para casa 20 vinte anos depois de ter partido e traz na sua mala caneta, caderno e gravador. Assim, se os retornos, temporais e às vezes também geográficos, presentes nos livros, lembram a Odisseia, como apontou Davi Arriguci Jr. na orelha de Relato de um certo oriente e a tradição romanesca, na tentativa de “atar uma ponta da vida à outra” como em Dom Casmurro, podemos perceber que eles são fundamentais para entender as ciências sociais desse período nas reflexões de autores como Fredric Jameson, Paolo Virno e, especialmente, Andreas Huyssen. Os livros deste autor, como Memórias do modernismo e Seduzidos pela memória, mostram como a memória se tornou uma questão fundamental no momento em que as utopias se transformaram em ruínas. Essa sedução da memória coloca “mundos paralisados em movimento” através de comemorações, monumentos etc. Os narradores de Milton Hatoum, com “caderno, caneta e gravador” e às vezes oralmente, colocam “mundos paralisados em movimento” como se fossem cientistas sociais, ao olharem para as suas histórias e as histórias das famílias que os adotaram, para as histórias das famílias e as histórias de Manaus, para o presente e para o passado. Um pouco como a figura de Paul Klee que será lida por um dos autores mais acionados neste período – Walter Benjamin – pelas ciências sociais e pelo próprio Milton Hatoum, como o anjo da história. Para a aproximação que o simpósio propõe, é interessante observar como os livros de Milton Hatoum tiveram primeiro uma recepção literária, como o texto de Davi Arriguci Jr. sobre Relato de um certo oriente, mas em seguida começaram a ser lidos a partir da questão da memória com a citação de autores como Giorgio Agamben e Walter Benjamin.
Palavras-chave: NARRATIVA, MEMÓRIA, CIÊNCIAS SOCIAIS, MILTON HATOUM
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