Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
4 POEMAS ATRAVESSAM A RUA SEM CUIDADO OU DISTRAÇÃO COMO ATITUDE HEROICA NA METRÓPOLE
RAFAEL ZACCA FERNANDES
A vida produtiva e o deslocamento complexo na intrincada rede das cidades engendraram novos modos perceptivos na população europeia no auge do capitalismo. O surgimento das metrópoles marca uma espécie de trauma coletivo, a partir do qual se desenvolvem uma série de comportamentos defensivos nas gentes - na capacidade dupla de atenção e de dispersão - com relação à cidade (Jonathan Crary, "Suspensões da percepção"). A partir de uma crítica de quatro poemas contemporâneos ("É preciso aprender a ficar submerso" de Alberto Pucheu, "Graça" de Eucanaã Ferraz, "Lixeiros" de Heyk Pimenta, e um poema sem título de Liv Lagerblad), essa comunicação procurará apresentar os diferentes modos pelos quais a distração se estrutura como forma interna (o que no jovem Walter Benjamin era denominado "poetificado"). Uma vez estabelecida como forma interna, como um modo de fazer do poema, a distração passa a interferir (em cada poema de uma maneira diferente) mais diretamente no que Jacques Rancièré chamou de "partilha do sensível", um conceito que evidencia certa dimensão estética da política, cuja chave de acesso residiria nos diferentes modos de fazer e usar partilhados na produção e recepção de obras (o tom pedagógico - consigo e com o outro - do poema de Pucheu expõe essa atitude na imagem dos possíveis submersos). A atitude heroica surgiu nos primeiros poemas da humanidade como aquela capaz de dobrar os perigos oferecidos por forças obscuras, traduzidas nas forças míticas de seres que ultrapassavam de longe a força humana (Adorno e Horkheimer tipificaram essa oposição na sua caracterização da atitude heroica em Odisseu, na "Dialética do esclarecimento"). Hoje, as forças obscuras do mercado e dos nódulos urbanos, que se comportam como uma espécie de segunda natureza, oferecem perigos similares àquelas forças, como o provam as guerras internacionais e civis, as crises econômicas e a insuficiência dos sistemas democráticos que sofrem golpes sucessivos pelas classes dominantes (como o cenário de guerra no rosto de Graça, amada pelo poema de Ferraz). Tal cenário mítico de "desastres naturais" se acumulou condensado ao longo dos últimos anos em nosso país (a poesia de Heyk Pimenta é um secreto testemunho dos desamparados), o que favorece o surgimento de um outro tipo heroico, que nasce, do fracasso e da impotência, para uma potência ainda por vir. Se não podemos falar em heróis propriamente modernos, podemos falar em algumas atitudes heroicas, em que a chance de interrupção do tempo das catástrofes lampeje para a humanidade como redenção possível (como parecia ser o sonho de Baudelaire, segundo Walter Benjamin, e em alguns suicidas modernos). Se a emergência dos perigos metropolitanos e a disciplina do capital engendram sujeitos capazes de certa atenção dispersiva que devem se habituar a dobrar o perigo para usar a cidade (em uma visada utilitária do espaço urbano), a distração resplandece simultaneamente como um campo de possibilidades e como uma interrupção da normatividade (onde o amor pode surgir insuspeito do coração minúsculo de um pequeno animal à beira da morte, como no poema de Lagerblad).
Palavras-chave: DISTRAÇÃO, ATITUDE HERÓICA, METRÓPOLE, POESIA CONTEMPORÂNEA
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