Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
HETEROCOSMICA: A LITERATURA COMPARADA ENTRE MUNDOS (IM)POSSÍVEIS
LUCAS DE JESUS SANTOS
A atual crise climática planetária ou do chamado aquecimento global produziu consequências não apenas de ordem tecnocientíficas, com o desenvolvimento, por exemplo, de tecnologias de geoengenharia, mas também, e sobretudo, de ordem epistemológica e, no limite, ontológica. A alcunha de Antropoceno, dada por Paul Crutzen e Eugene Stoermer a um novo período geológico cujo principal agente seria a espécie humana, lança um profundo choque nas estruturas onto-epistemológicas que guiaram boa parte do pensamento ocidental. A divisão elementar entre natureza e cultura, a separação entre a ordem histórico-cultural humana e a ordem perene-natural do mundo entra radicalmente em crise, pois a linha que estabilizava tal divisão é turvada: objetos naturais passam a atuar nos espaços humanos; estes, por sua vez, produzem e manipulam objetos naturais.. Da mesma forma, surgem figuras paradoxais que agem simultaneamente nas duas esferas, Cultura e Natureza, terminando por desestabilizar, em última instância, as próprias noções de mundo e humanidade. A "irrupção de Gaia" foi a expressão cunhada por Isabelle Stengers para esse cenário de crise extrema, onde a humanidade é levada a encarar sua agência recalcada, a saber, seu papel na história geológica do planeta. O presente trabalho pretende, assim, dar corpo ao problema e oferecer uma discussão das relações entre a Literatura Comparada (LC) e esse cenário de crise onto-epistemológica. Pretende-se fazê-lo, primeiramente, pela realização de uma genealogia da LC, retomando alguns textos fundadores e apresentando os alicerces que ajudaram a estruturar a disciplina. Em segundo lugar, aponta-se que a noção de "mundo" aparece no discurso crítico-teórico da LC frequentemente como um espaço vazio, homogêneo, sem densidade, cujo modo de existência seria apenas de passividade ou, no máximo, de indiferença. O "mundo" funciona como uma espécie de exterior calmo e estável, como uma planta arquitetônica intacta, na qual se projetam os objetos, extraem-se os dados, comparam-se as formas e modalidades de distribuição dos seres. A partir dessa constatação, torna-se imperativa a questão: como pensar a comparação sem um espaço estável e comum? Em suma, onde está a literatura comparada? Encaminhamos este debate, por fim, por levarmos em consideração, do ponto de vista ético, a proposta de Isabelle Stengers de ter uma postura cautelar e hesitante, de "resistir à tentação de julgar", produzindo uma forma de "prestar atenção" e de perplexidade que poderiam criar outros modos de pensamento e de lidar com tais questões. Do ponto de vista teórico, abordamos o debate para uma aproximação entre a LC e a chamada Literatura Mundial (LM), através dos trabalhos de Armando Gnisci, "A Literatura Mundial como futuro da Literatura Comparada", e de Emily Apter, "Against World Literature".
Palavras-chave: LITERATURA COMPARADA, LITERATURA MUNDIAL, ANTROPOCENO, MUNDOS POSSÍVEIS
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