Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A FICCIONALIDADE EM DOIS TEMPOS: ANÁLISE DE REPRESENTAÇÕES DO ESPAÇO EM CONTOS DE SÉRGIO SANT’ANNA
RAQUEL ILLESCAS BUENO
A dificuldade de estabelecer limites entre ficção e não-ficção, como é sabido, foi largamente ampliada pela interferência das novas tecnologias. Nos últimos 40 anos, foram radicalmente alteradas as formas e a abrangência da circulação tanto das informações como das produções artísticas. Nem por isso os estudos literários têm se ocupado com frequência do impacto dessas alterações para a ficção e para o conceito de ficcionalidade. Noutro sentido, têm aparecido no campo dos estudos literários referências esporádicas aos estudos de lógica que tratam dos “mundos possíveis”. Percebe-se também a retomada eventual de abordagens das relações entre a literatura e o mundo semelhantes àquela popularizada por Umberto Eco na década de 1990, especialmente em Seis passeios pelos bosques da ficção. Mas não são apenas os textos literários que apostam no fantástico ou no insólito, nem somente aqueles que flertam com o registro histórico que motivam a investigar o estatuto da ficção. Esta comunicação pretende pensar a ficcionalidade na narrativa brasileira recente com base no estudo comparativo das representações espaciais cunhadas por dois mestres do conto realista, em dois tempos diferentes: os anos 1970 e o início do século XXI. Sérgio Sant’Anna e Dalton Trevisan são contistas com trajetórias bastante diferentes no cenário da ficção brasileira contemporânea. Nenhum deles é afeito à literatura fantástica nem a textos que flertem com o jornalismo literário ou com a ficção histórica. Em ambos merece destaque, isto sim, o perfeito domínio da matéria ficcional, usualmente traduzido na atualização de procedimentos e técnicas narrativas. Consequentemente, são sempre muito atuais seus cenários e as correspondentes leituras de um mundo em constante transformação. A Curitiba de “A longa volta para casa” (TREVISAN, Rita Ritinha Ritona, 2005), descrita pelo narrador como “Jardim do Éden, segundo o cartaz, à beira do Rio Belém plantado” é, na percepção de um dos personagens egressos de uma colônia penal, “até que uma cidadezinha mais ou menos”. Ainda que alguns dos lugares da marginalidade das obras recentes de Dalton sejam os mesmos espaços públicos já ficcionalizados pelo autor desde os anos 1960 e 1970, outras camadas de significação se sobrepõem, atualizando não apenas os endereços, mas toda a dinâmica que opõe e aproxima a periferia e os espaços centrais. A Vieira Souto e a rua Joana Angélica de “O corpo” (SANT’ANNA, O homem-mulher, 2014) não elidem os desejos dos protagonistas, mas são percorridas por transeuntes cuja percepção dos corpos mortos, possíveis vítimas da violência urbana, é permeada pela indiferença matizada por uma consciência social um tanto fluida, bem diferente das representações surgidas no panorama da literatura de Sant’Anna produzida no período da ditadura militar. Tais representações literárias pouco têm a ver com “não-lugares” ou com o conceito de desterritorialização da teoria recente. Independentemente da expectativa de que a literatura reivindique autonomia em relação a outros discursos, talvez essas representações tenham muito a ver com o fortalecimento do estatuto da ficcionalidade.
Palavras-chave: FICCIONALIDADE, ESPAÇO FICCIONAL, DALTON TREVISAN, SÉRGIO SANT
voltar