Eles eram muitos cavalos e Naissance d’un pont são dois romances contemporâneos que receberam vários prêmios e suscitaram numerosas reações críticas nos países de seus dois autores respectivos, o Brasil e a França. Em Eles eram muitos cavalos, Luiz Ruffato lança mão de vários tipos de discursos, linguagens e recursos da ficção e da poesia para representar a cidade de São Paulo, da manhã até a madrugada do dia 9 de maio de 2000. Em Naissance d’un pont, Maylis de Kerangal cruza os destinos de uma dezena de personagens, de classes sociais diferentes, para tecer o relato da construção de uma gigantesca ponte, numa cidade imaginária da Califórnia. Apesar das diferenças óbvias entre esses dois romances, no quer diz respeito ao estilo e aos enredos, são duas obras que, em vez de focar-se na situação de um ou dois protagonistas determinados, retratam, através de numa estrutura fragmentada, a diversidade e a pulsação da vida num espaço urbano em que o capitalismo tende a desagregar os laços humanos. Segundo o antropólogo Marc Augé, nessa época que ele qualifica de “sobremodernidade”, “é preciso reaprender a pensar o espaço.” (CERTEAU, p. 49) Nos parece que uma das razões do sucesso encontrado por Naissance d’un pont e Eles eram muitos cavalos é que eles apontam para algumas configurações espaciais típicas das sociedades capitalistas de hoje, e pelas implicâncias dessa reestruturação espacial sobre a sociabilidade. Sem pretender ilustrar nem teorizar, a escrita ficcional, alimentando-se de emoções e percepções subjetivas, poderia constituir um viés para iluminar esse fenômeno de reconfiguração espacial que Marc Augé designou com o qualificativo de “não-lugares”. Nessa era paradoxal das redes globalizadas, com a aceleração do tempo, assim como da circulação de bens e pessoas, as relações humanas são profundamente alteradas e marcadas pelo efêmero, pelo provisório e pela desagregação das mediações interpessoais. O “lugar antropológico” (que Augé caracteriza partindo de Marcel Mauss), “tem um sentido inscrito e simbólico” (CERTEAU, p. 104), e “pode se definir como identitário, relacional e histórico” (CERTEAU, p. 100). “O espaço do não-lugar”, ao contrário, “não cria nem uma identidade singular, nem relações, mas solidão e semelhança.” (CERTEAU, p. 130). Nosso objetivo, nessa apresentação, será de analisar de que modo e com que estratégias literárias essas ficções jogam luz sobre a experiência do não-lugar, que representa hoje, ainda segundo Marc Augé, “um componente essencial de toda existência social” (CERTEAU, p. 149). Luiz RUFFATO, Eles eram muitos cavalos, Edições BestBolso, Rio de Janeiro, 2012 (2001) Maylis de Kerangal, Naissance d’un pont, Paris, Verticales, 2010
Palavras-chave: ESPAÇO, LITERATURA FRANCESA, NON-LIEU, LITERATURA BRASILEIRA