Em Olhos d´água (2014), Conceição Evaristo (1946), uma das mais significativas representantes da literatura afro-brasileira, compõe uma galeria de mulheres, de onde parece surgir uma única “mulher de muitas faces”...“emblemática de milhões de brasileiras na sociedade de exclusões que é a nossa”, conforme se manifesta Heloisa Toller Gomes no Prefácio (p.10). Determinadas construções culturais de gênero na sociedade brasileira contemporânea são filtradas pela voz da mulher negra, enquanto entrecruzam-se com questões históricas fundamentais, tanto no espaço público quanto no familiar. Especialmente nos contos, “Ana Davenga” (p.21-30) e “Quantos filhos Natalina teve?” (p.43-50), Conceição transforma o corpo e a sexualidade das protagonistas no lócus discursivo, na medida em que explora a temática da maternidade, relacionando-a, por um lado, à violência física contra a mulher e, por outro, à idealização romântica do maternar. Neste trabalho, além do uso de categorias da Análise Crítica do Discurso (ACD), recorro também ao texto da autora “Gênero e etnia: uma escre(vivência) de dupla face” (2005) e a “The fantasy of the perfect mother”, de Nancy Chodorow (em Feminism and psychoanalytic theory, 1989), entre outros suportes teóricos para sustentar a análise dos contos selecionados. Ao universalizar o tema, a partir da perspectiva da mãe negra, a autora me permite questionar se a realidade brasileira pode ser estendida a outros países da América Latina.