Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A LOUCURA COMO ESPAÇO DE FALA: INSUBORDINAÇÃO E RESISTÊNCIA NA LITERATURA DE AUTORIA FEMININA
VIRGÍNIA CARVALHO DE ASSIS COSTA
O trabalho a ser apresentado pretende analisar a loucura sob dois aspectos suplementares: como temática recorrente na literatura africana em língua portuguesa de autoria feminina, e também como metáfora da escrita de tais mulheres – em sua busca permanente por um espaço de fala fora do discurso hegemônico. Para a abordagem mencionada, serão focalizados os romances O alegre canto da perdiz, da moçambicana Paulina Chiziane; Ponciá Vicêncio, da brasileira Conceição Evaristo e A louca de Serrano, da cabo-verdiana Dina Salústio. Como fundamento teórico, serão examinadas, principalmente, as obras Pode o subalterno falar? (2014), de Gayatri Spivak, Por uma literatura menor (2014), de Deleuze e Guatarri e Seria a pena uma metáfora do falo? ou a inquietante presença da mulher na literatura (2007), de Aparecido Donizete Rossi. Ambas as obras literárias sob análise são marcadas por personagens femininas deslocadas, estigmatizadas pela loucura. Tal loucura, longe de representar uma forma de alienação, revela-se um instrumento de resistência de mulheres subjugadas. Em O alegre canto da perdiz, Maria das Dores, após uma trajetória de intenso sofrimento, passa a errar em busca de algo que apazigue a sua dor, em busca de sua construção identitária. Alijada de uma sociedade racista e patriarcal, ela parece procurar na loucura uma nova forma de linguagem, que a permita constituir-se enquanto sujeito. “Já não sei bem de onde vim, nem para onde vou. Por vezes sinto que nunca nasci. Estarei ainda no teu ventre, minha mãe? Todos perguntam de onde venho. Querem saber porque sou, porque nada sou. (CHIZIANE, 2008, p.17) Em Ponciá Vicêncio, a protagonista que intitula a obra refugia-se no silêncio e passa a ser considerada louca por seu marido. Suas reflexões, contudo, deixam explícito o caráter contestatório do seu mutismo. Na obra cabo-verdiana, A louca de Serrano, a personagem-título representa a consciência e a lucidez de um grupo alienado pela repetição mecânica da tradição. Dona de um discurso desestabilizador da ordem, é por sua voz marginal que ouve-se a crítica de práticas opressivas naturalizadas em Serrano. “A Louca de Serrano [...] em dias especiais que não se conseguiu localizar nem atribuir uma identidade, gritava que a montanha preparava-se para engolir a aldeia porque não suportava mais sua burrice.” (SALÚSTIO, 1998, p. 56). O tema central dos textos acaba também por revelar-se uma metonímia da escrita feminina pós-colonial em sua incessante procura por uma linguagem que permita a autorrepresentação do “sujeito subalterno” (SPIVAK, 2014). Os textos de Chiziane, Evaristo e Salústio constituem-se por meio de estratégias como a fragmentação da linguagem; a mobilização do interlocutor; a subversão espaço-temporal; a “desterritorialização da língua” (DELEUZE & GUATTARI, 2014) e o esvaziamento das oposições binárias e hierárquicas que sustentam o patriarcado (ROSSI, 2007). Ao subverterem a estrutura literária canônica, os modelos de escrita propostos pelas duas autoras, cada uma ao seu modo, ocupam um lugar marginal; ocupam o lugar da loucura.
Palavras-chave: AUTORIA FEMININA, LOUCURA, LITERATURA AFRICANA, DISCURSO MARGINAL
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