Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
“NA ASA DO VENTO CORRE O MELANCÓLICO CORPO”, ESCRITA E PERFORMANCE EM DIÁRIOS, DE AL BERTO
NATHALIA GRECO DE FREITAS CARDOSO
Um dos poetas contemporâneos que se embrenhou pelo labor diarístico foi o português Al Berto, cuja singularidade se dá no redimensionamento do lugar desse gênero considerado menor, centralizando-o enquanto escrita de dimensão ética e estética em nada inferior à noção de obra literária inventiva ou poética. Em sua obra completa, hoje reunida sob o título de O medo, há uma pluralidade de gêneros em que é possível perceber um espraiamento do eu em poesia, autorretratos, cartas, gravuras, desenhos, fotos e, no objeto dessa comunicação, seu diário, que revelam uma forte necessidade do mis-en-coeur à nu. Para além disso, o fato do escritor autorizar a reunião desses diferentes registros todos sob um único título aponta para a possibilidade de ler a sua obra de uma mesma maneira (há, constantemente, um tu, um endereçamento nas poesias, como se elas também fossem diarísticas, pessoais). Pode-se ler como poesia, os diários, e as poesias como o diário. No presente trabalho, intenta-se perfilar o lado de um Al Berto como escritor-performer, que sofre o mundo no corpo, uma vez que pode-se perceber uma potente tensão entre vida/obra que se extravasa em uma “escrita frenética”. Na escrita albertiana, a importância de se tratar a performance como operadora de práticas e sentidos parece reverberar na inseparabilidade entre escrita e vida, entre o viver e o dizer. O gênero adquire um outro sentido, performativo, no que tange a passagem de um modelo de representação e descrição dos dias para o de um ato de fala que realiza a subjetividade de um eu em relação incontornável com a linguagem. A performance age, portanto, na realização de um mundo criado em ato, continuamente, ao mesmo tempo em que é sintoma não só da realidade linguística como único real possível, mas também de certo “declínio da sinceridade” (Carla Damião), projetada desde Baudelaire, com a noção de “sinceridades artísticas” como habilidade de criar “impressões de verdade” ou verdades realizadas pelas pequenas intensidades em ação na linguagem, isto é, como prática da própria língua. A própria capa da sua antologia, O Medo, é Al Berto em uma encenação caravaggiana, com partes de seu corpo à mostra e que nos revela o intenso jogo proposto entre representação, subjetividade e sinceridade, de um eu que procura essencialmente uma assinatura. Golgona Anghel, importante pesquisadora e organizadora de sua obra, além de poeta, afirma no prefácio de Diários, que “estamos perante um corpus que se expõe a si mesmo”, muito porque é alimentado por um corpo, tão fragmentado quanto o estilo da escrita do devir, que sente e escreve tudo que vive e experiencia. Estamos diante de uma escrita que passa pelo corpo, “escrevo-te a sentir tudo isto.”.
Palavras-chave: DIÁRIO, SUBJETIVIDADE, CORPO, PERFOMANCE
voltar