A comunicação pretende estabelecer como questão que sertão é uma espécie linguística performativa orientada pelo estalar da língua de Riobaldo. Tendo por guia a escuta do seguinte trecho da obra Grande Sertão: Veredas, escrita por João Guimarães Rosa, o qual diz: "Ações? O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo" (ROSA: 1994, 245), busca-se compreender como a palavra pegante sertão, enquanto signo linguístico, ganha corpo e chão – entendendo-se aqui a extensão de suas veredas -, ao passo que o contar de Riobaldo vai atravessando, sulcando qualquer escuta que se oferece a pôr-se diante de si e a testemunhar o que o ele afirma conhecer. Indo além, entende-se que sertão é mais do que um som que reverbera na voz de Riobaldo e uma palavra prenhe de significados que se organizam no interior de sua narração, é a instalação de uma imagem que dá aparência às coisas narradas e à Riobaldo, instrumento do narrar, a visão de si mesmo e o pertencimento ao que o sertão funda. Tendo esse pensamento em vista, ao colocar diante dos olhos ou dos ouvidos o dito de Riobaldo, "O sertão me produz, depois me engoliu, depois me cuspiu do quente da boca... O senhor crê minha narração?" (ROSA: 1994, 840), o leitor, congênere desse narrador, percebe que sertão – aquela palavra pegante – roça nas coisas, inclusive no próprio leitor, enredando-as numa trama que, em sua ação performativa, artificializa uma forma falada, que acende a própria ideia de conto, de uma reprodução de extensões, de imagens repassadas ao longo do tempo. Assim, segue o leitor, envolvido pela “matéria vertente” (ROSA: 1994, 134) que é o sertão e sendo requisitado pela própria busca de expressão da obra, glosando de ditados que parecem lhe ensinar algo sobre o contar. Ainda, incidindo na ideia de que sertão trama um grande conto e também o é, essa comunicação investe suas reflexões para pensar o gesto literário do contar, deposto em terras brasileiras por João Guimarães Rosa, buscando reconhecê-lo como um gesto inaugural de fundação e de descoberta de uma nova terra, ainda inabordável, que se supõe apta a declinar sua filosofia. Filosofia essa que, aludindo às contribuições da filosofia emersoniana, se desenreda ao passo que a palavra sertão, por constituir-se em peso, finca o lugar e destrincha, pelo seu poder de deslocamento, a ideia filosófica de chão, de fundamento. Sendo assim, ao ouvir Riobaldo ao leitor dizer "O senhor faça o que queira ou o que não queira – o senhor toda a-vida não pode tirar os pés: que há-de estar sempre em cima do sertão." (ROSA: 1994, 763), pretende-se pensar no quanto sertão, essa espécie linguística, é, em sua performance, o labor do contar a mirar a travessia filosófica de se pôr a caminhar com ela.
Palavras-chave: SERTÃO, CONTO, FILOSOFIA, JOÃO GUIMARÃES ROSA