Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
AS RUGAS DO TEXTO: IDEIA E REPRESENTAÇÃO DA VELHICE EM HILDA HILST
MARCOS DE CAMPOS VISNADI
O tema da velhice, elaborado em personagens e digressões, está presente em todos os livros de prosa de Hilda Hilst. Essa recorrência costuma estar associada a uma das grandes preocupações filosóficas da autora: a caracterização do humano como um ser paradoxal, em que a potência do corpo e do intelecto está em constante batalha contra as limitações materiais e temporais da nossa existência. Personagens como Hillé, de A obscena senhora D (1982), e Vittorio, de Estar sendo. Ter sido (1997), apresentam-se como pontos de tensão máxima de uma vida que, no vestíbulo do fim, precisa realizar toda a sua potência ao mesmo tempo em que suas forças físicas e mentais se esfacelam. A encenação dessa situação-limite possui no texto um palco privilegiado, uma vez que a representação mimética de velhas e velhos não se prende às características corporais do envelhecimento. Como lembra Georges Bataille, em A literatura e o mal, a literatura é inorgânica. Hilst pode, portanto, contrapor signos tradicionais da representação da velhice a técnicas formais que os anulam, escrevendo a lentidão dos corpos com a velocidade da sintaxe e a caduquice da razão com um excesso de referências filosóficas complexas. A inorganicidade da literatura permite ainda que na própria mimese a velhice se distorça e se desprenda de expectativas realistas, como é o caso de Haiága, a velha que rejuvenesce e engravida ao se apaixonar pelo genro, em Tu não te moves de ti (1980). No entanto, a concepção hilstiana da humanidade como um modo distópico de existência não permite que, em seus textos, atribuamos à velhice uma característica redentora. Hilda Hilst não se alinha a uma forte tradição da compreensão da velhice no século XX, que tem em Walter Benjamin e Simone de Beauvoir dois de seus principais representantes. Para Benjamin, em textos como “O narrador” e “Experiência e pobreza”, a velhice é o momento em que os aspectos individuais e sociais da vida adquirem sentido recíproco, realizando a experiência (Erfahrung) tal como entendida pelo filósofo. Já Beauvoir, em seu ensaio A velhice, corrobora essa visão benjaminiana acrescentando-lhe uma crítica à sociedade industrial, na qual o velho operário estaria condenado à marginalização e à perda irreparável de sua humanidade. Na obra de Hilst, tanto a harmonia da experiência quanto o desejo de inclusão social são ausentes, uma vez que a autora privilegia a instabilidade e a exceção na construção de seus personagens. Ela nos força, portanto, a buscar outros referenciais teóricos para a velhice, que não restrinjam essa fase da vida a uma visão redentora. O conceito de “estilo tardio”, elaborado por Theodor Adorno e Edward Said, assim como estudos históricos da velhice são margens possíveis para uma melhor leitura da obra da autora. Esta comunicação pretende relacionar esse referencial teórico a uma leitura transversal da velhice e do envelhecimento em diferentes textos de prosa de Hilda Hilst, com destaque para os já citados neste resumo.
Palavras-chave: HILDA HILST, VELHICE, CORPO, TEXTO
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