GUSTAVO ALMEIDA RAPOSO, LAILA MELCHIOR PIMENTEL FRANCISCO
A partir de dissertação de mestrado defendida em março 2016 no programa de pós-graduação em literatura na Universidade de Brasília, esta comunicação buscará pôr em ação leitura da obra do escritor Roberto Bolaño – e de seu romance 2666 em especial – que ultrapassasse as muitas leituras de sua obra fincadas na violência e no horror. O trabalho empreenderá uma busca por traços vitais na obra de Bolaño e argumentará que uma pequena comunidade, forjada pela escritura, pela leitura e por certa amizade é estabelecida por sua literatura. Diante disso, questionará quais potências vitais e políticas – ou biopolíticas, pensadas como potências da vida – emanam dessa amizade. Para tanto, será mobilizado o pensamento de Georges Didi-Huberman, a partir do qual será discutida a proposta de uma leitura da sobrevivência dos vaga-lumes e das resistências na obra de Bolaño. Resistências, como vaga-lumes, pequenas, frágeis, modestas, provisórias, empíricas, intermitentes, díspares, errantes. Menores e marginais. Pequenas luzes em oposição à luz maior, apocalíptica e totalizante, que constantemente as ofuscam. A obra de Bolaño será pensada, assim, como um lampejo na contemporaneidade – de forma análoga aos escritos da narradora de Amuleto, Auxílio Lacouture, sobre o papel higiênico restante no banheiro da UNAM em 1968. Para tanto, são fundamentais seus tantos ‘personagens vaga-lumes’: marginais, líricos, luminescentes, dançantes, erráticos, intocáveis e resistentes, que vivem aventuras repletas de vitalismo, amor, amizade, valentia, desejo e poesia. Vivem intensamente, artisticamente, em meio a contextos sombrios, como as ditaduras latino-americanas da segunda metade do século XX, o holocausto nazista e os feminicídios em Santa Teresa, cidade central em 2666. Argumentaremos que os vaga-lumes na obra de Bolaño se organizam como constelações ou comunidades – conjuntos que resistem ao desaparecimento absoluto, ao apocalipse, e apontam para uma sobrevivência "apesar de tudo". Tais constelações de vaga-lumes apontam para a formação de uma comunidade menor, uma civilização, uma bela comunidade em formação constante, um povo por vir. Comunidades resistentes, vitais, poéticas e fundadas na amizade. Na obra de Bolaño, talvez sejam a amizade e a poesia os elementos mais fortes a unir esses seres errantes e marginais, frágeis e vitais. Recordamos, nesse contexto, da amizade que une os personagens de 2666 Hans Reiter e Borís Ansky, por meio dos escritos do último, que conecta os poetas Arturo Belano e Ulises Lima, em Detetives Selvagens e outros textos, e tantas outras amizades presentes nos textos do autor. A mais valiosa amizade proposta pela obra de Bolaño talvez seja aquela que se tece entre seus narradores e seus leitores. E essa amizade forma uma comunidade entre leitores e Bolaño e propõe outra comunidade entre seus leitores. Uma comunidade frágil, delicada, dispersa, heterogênea. Uma constelação múltipla, distante no tempo e no espaço, com implicações vitais e políticas.
Palavras-chave: ROBERTO BOLAÑO, 2666, LITERATURA E POLÍTICA, LITERATURA E AMIZADE