Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A LITERATURA-SELFIE: NOVAS TENDÊNCIAS NA AUTOFICÇÃO FRANCESA CONTEMPORÂNEA
SYLVAIN ADRIEN OPTAT BUREAU, PEDRO RAMOS DOLABELA CHAGAS
Eleita “palavra do ano” em 2013 pelo Oxford English Dictionary, o selfie, autorretrato instantâneo, surgiu no era da revolução digital com a propagação das tecnologias móveis e o desenvolvimento das redes sociais, mudando a relação dos indivíduos com eles mesmos num período que acompanha a multiplicação de obras autoficcionais na literatura francesa contemporânea. Já no final do século XX surgiram diversos estudos questionando o gênero da autoficção, principalmente pela dialética realidade-ficção: de um lado, os ficcionais (COLONNA, 1989; GENETTE, 1991) entendem a autoficção como uma projeção de si dentro de um universo ficcional; do outro, os realistas (DOUBROVSKY, 1988) interpretam-na buscando suas raízes reais. O presente estudo tende a sair dessa perspectiva analisando a constituição sócio-midiática do gênero, com base num corpus mais recente composto apenas por narrativas do século XXI cujos autores são, entre outros, Houellebecq, Louis, Beigbeder, Nothomb, Ernaux, Darrieussecq, Laurens, Vigan, Angot, Boltanski. Buscando uma nova definição da narrativa autoficcional, constatamos que não existe apenas um tipo de autoficção. De fato, encontramos projetos autoficcionais tendendo a distanciar-se do romance ao qual eles ainda estão presos, e do qual regularmente denuncia-se a exaustão formal. Em todos os textos autoficcionais analisados, o autor se desfaz do diktat do autor-morto (BARTHES, 1973) e inclui-se na sua narrativa. No entanto, a condição do autor-vivo não é mais suficiente à definição do gênero, pois as últimas produções literárias mostram que pode definir-se a autoficção com critérios complementários à presença do autor, como por exemplo o tempo, a ação do autor dentro da narrativa e o meio social. Falaremos, portanto, de autoficções nostálgicas ou sociológicas (Angot, Ernaux, Louis), jornalísticas ou testemunhas (Carrère) e midiáticas ou públicas (Houellebecq, Beigbeder, Nothomb). Essa última tendência – as autoficções midiáticas ou públicas – consiste em protagonizar o autor não mais como um indivíduo comum, mas como um escritor que convive no meio midiático-público francês, onde a figura do autor ocupa um lugar privilegiado. Questionando a etimologia do termo “autoficção”, originalmente fusão de “autobiografia” e “ficção”, construímos uma nova genealogia baseada na proximidade entre o prefixo grego ?????, autós (“si-mesmo”) e a palavra latina auctor (“autor”) para pensar a autoficção não mais como uma “biografia de si”, mas como uma “biografia do autor”. De “autor” vindo do latim “augere” que também gerou a palavra “ator”, podemos distinguir o autor e o ator, nos remetendo à dicotomia que opõe o escritor (“écrivain”) e o scriptor (“écrivant”) (BARTHES, 1964). Nesta perspectiva, as narrativas autoficcionais protagonizando o autor como pessoa pública escrevendo sua própria condição de escritor, podem aparecer como questionamentos sobre a função do autor na contemporaneidade. Nestes últimos anos, as ficções de autores famosos escrevendo sobre eles mesmos, com eles mesmos, por eles mesmos se tornaram um ritual na carreira dos escritores franceses contemporâneos, como selfies ou autorretratos literários instantâneos, fotografando não só mais o “eu” como também o “autor”, dando luz aos poucos a um novo tipo de literatura: a literatura-selfie.
Palavras-chave: AUTOFICÇÃO, AUTOR, LITERATURA FRANCESA CONTEMPORÂNEA
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