JULIANA GARCIA SANTOS DA SILVA, JOSÉ LUÍS JOBIM SALLES
O trabalho aqui sugerido pretende pôr em xeque a competência revolucionária do discurso empenhado na obra São Bernardo (1978) de Graciliano Ramos, porquanto se estende para além dos regionalismos típicos da época e dos muros da ditadura varguista, com um singular estilo de narrar as transformações sociais subsidiadas pela mentalidade capitalista na sua versão mais bruta. Lançando mão de um narrador-autor-personagem rústico, solitário e ganancioso que compartilha suas memórias, angústias e frustrações ante sua natureza, a missão de escrever e frente a condições sociais financiadas pela lógica do lucro, Graciliano incita-nos a percorrer por espaços onde são regidas relações de poder, vivenciadas por sujeitos que negligenciam o “eu”, o outro e os valores que fundamentam a vida em sociedade. Para tal, objetiva-se explorar aspectos formais e temáticos que rompem com uma ordem vigente, tanto inerente ao fazer estético, quanto ao conteúdo, burlando expectativas e gostos, e contribuindo para a desacomodação do leitor comum. A propósito, Fernando Cristóvão em Graciliano Ramos: estrutura e valores de um modo de narrar ressalta que o autor de São Bernardo traz, sobremaneira, um tipo de narrador que tece reflexões metalinguísticas em sentido amplo, capaz de abranger o que também poderia ser chamado de metaliterário, corroborando para a percepção da linguagem no que tange a seu uso e funcionamento. A essa atitude metalinguística, soma-se a capacidade de (des)construção do romance a contrapelo de uma linguagem literária acadêmica e bem comportada e o esforço progressivo, árduo e doloroso do narrador, que opta por um contar agreste e, portanto, seco, sóbrio e inculto, contrariando a postura peculiar de um narrador que obedece a uma seleção vocabular mais cuidadosa. O que se nota é um modo de narrar atípico que chama para si a responsabilidade de refletir experiências e maturar sua visão de mundo, contando seu passado e seu presente sob a forma de um romance duro e rápido como seu narrador o é. Segundo Jorge de Souza Araújo em Graciliano Ramos e o desgosto de ser criatura, na obra de Graciliano Ramos predomina, quase sempre, o filtro da memória desconfortável da condição humana, sob o olhar pessimista de um enunciador que imprimi certo aniquilamento do “eu” onipotente, intentando restaurar imagens fidedignas à realidade que experimentou. Legando-nos, pois, um traço de descrença na humanidade e a dessacralização da linguagem, o autor de São Bernardo apresenta-nos a desagregação de um sujeito face à desagregação do mundo, num momento de incertezas condizentes à Grande Depressão de 1929 e, no plano nacional, à instabilidade política pós-golpe de 30. Com isso, vale relativizar o processo de escrita e de autoconsciência assumido por Paulo Honório, bem como a sua capacidade de viabilizar antes uma avaliação sobre o homem modificado e norteado pelo capital, do que examinar problemas e discussões estritamente regionais ou definições acerca da unidade nacional, para, então, compreendermos o que dá forma e impulsiona a voz questionadora que se ergue de São Bernardo e por trás da referida obra, transpondo as barreiras do fazer literário e do gênero.
Palavras-chave: COMPETÊNCIA REVOLUCIONÁRIA, NARRAR ATÍPICO, VOZ QUESTIONADORA, FAZER LITERÁRIO