Óssip Mandelstam, nascido em 1891, parece o herdeiro da tradição Petersburguesa iniciada em Pushkin. Do ideal ecumênico daquela capital, louvado pelo famoso discurso de Dostoievski, cristalizado pela ordem arquitetônica de seus prédios, Mandelstam é um filho legítimo. As raízes de Mandelstam confundem-se com a do ocidente: Homero e Ovídio, o iídiche e o Novo Testamento, Petrarca e Villon; assim por diante. Fora a sua estreita intimidade com Armênia e Geórgia. A consciência inabalável da tradição permite que Mandelstam crie uma poética nova, em pleno cenário da revolução e das vanguardas russas, saudando Catulo e Dante como seus contemporâneos. “A poesia é o arado que desenterra o tempo, revelando suas camadas mais profundas, sua terra negra”, escreve em "A palavra e a cultura". Para ele a Musa torna-se mundana, isto é, a memória de uma civilização – mas nunca imóvel, pelo contrário. No campo artístico profundamente complexo desse período russo, surge a fórmula de Mandelstam segundo a qual “A poesia clássica é a poesia da revolução”. T. S. Eliot já havia escrito sobre uma certa mobilidade da tradição, onde cada poeta e cada época nela interfere e até mesmo embaralha algumas de suas cartas. Ele próprio foi responsável por recuperar os metafísicos ingleses, e o seu amigo Ezra Pound deu uma nova dimensão aos provençais em pleno século XX. No fundo, há algo da reflexão de Goethe onde toda época é responsável por reler o passado sob sua ótica, ideia retomada pelo jovem Lukács e estabelecida por Lucien Febvre no seu livro sobre Rabelais (cada uma tem “sua Grécia, sua Idade Média e seu Renascimento” ). Mas tornar o classicismo a poesia da revolução é dar um passo adiante, pois isso não consiste apenas numa releitura do passado, e sim numa astúcia, que pode ser traduzida em termos de fixar os olhos sobre o contemporâneo. Portanto a leitura se dará em duas vias: sob o ponto de vista temporal, há uma justaposição cronológica e um anacronismo; sob o ponto de vista espacio-cultural, a busca do poeta foge ao próprio país e tenta envolver o máximo possível de países, sobretudo os circunvizinhos do seu próprio. Nossa comunicação pretende ler a produção ensaística de Mandelstam, o ensaio sobre Dante, principalmente, ligando suas ideias às ideias de Pier Paolo Pasolini e outros artistas que tentaram resgatar a tradição como uma arma viva. O legado benjaminiano acompanhará nossa leitura, assim como os trabalhos de Georges Didi-Huberman e Paul Zumthor.