Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A CORRESPONDÊNCIA DE VINICIUS DE MORAES NO PÓS-GUERRA
RAFAEL MARTINS DA COSTA
Publicada pela primeira vez em 1954, a Antologia Poética, de Vinicius de Moraes, teve um papel importante para trazer de volta poemas que já não estavam mais disponíveis para o leitor, haja vista que os livros lançados antes dela foram distribuídos em edições de tiragem limitadíssima. Além disso, a publicação da Antologia teria, segundo o próprio Vinicius, a finalidade de expor para o leitor o percurso do poeta, mostrando a sua migração de uma poesia de extração cristã/sublime, para uma poética do cotidiano, marcada por um interesse pelo social e por versos que se espraiavam em uma sensualidade acentuada. Nesse sentido, a Antologia evidenciaria a presença de “duas fases antagônicas” dentro da poesia de Vinicius. Registre-se, no entanto, que o livro é formado, em sua maior parte, por poemas pertencentes à fase chamada de “encontro com o cotidiano”. Essa divisão desigual evidencia o trabalho do poeta no sentido de indicar qual parte de sua produção deveria merecer mais atenção do leitor, o que nos leva à imagem de um poeta-crítico, exercendo um papel decisório, distinguindo entre muitos textos os mais relevantes, sobretudo se pensarmos que a palavra crítica está, segundo R. Koselleck, atrelada à faculdade de separar, de fornecer um juízo sobre algo, no sentido de uma “recusa definitiva, de um veredicto”. É preciso acrescentar, contudo, que essa seleção não é, de modo algum, apolítica. Os arquivos do poeta, depositados na Fundação Casa de Rui Barbosa, permitem observar os pressupostos ideológicos que orientam a organização da Antologia. As provas tipográficas do livro registram vários prefácios escritos por Vinicius, mas nunca publicados. Em um deles, o poeta indica a relevância daquele livro: “para o autor qualquer importância que este livro possa ter está primordialmente na articulação da luta mantida pelo poeta contra a sua formação burguesa-católica, que o deveria por um tempo situar em perigosa proximidade da reação e do fascismo”. Também é possível encontrar na epistolografia de Vinicius reações à sua “nova fase”, como as críticas do amigo Lauro Escorel, que não aprovava a aproximação do poeta com a temática social/cotidiana. Dessa maneira, um olhar para os arquivos de Vinicius– ainda parcamente explorados – permite colocar em baila os conflitos e as polêmicas surgidos a partir da incorporação na poesia de alguns ideais do nosso Modernismo, como a valorização do popular e do cotidiano. A comunicação pretende, pois, a partir do resgate de textos do Arquivo Vinicius de Moraes, analisar a importância das fontes primárias e dos textos não publicados – mas que foram guardados pelo autor! – para que se possam perceber com maior clareza as tensões na/da “políticas da escrita” (Jacques Rancière). Os arquivos passam, assim, a ser entendidos como espaços em que se aclaram conflitos que foram ocultados pela historiografia literária ou que não podem ser vistos quando se analisa um livro de poesia somente a partir da sua publicação, desconsiderando o seu processo de organização. Dentro desse contexto, o trabalho busca refletir também sobre a relevância dos arquivos para que se tenha uma dimensão da existência de regimes normativos que legislam sobre o que é poetizável – regimes que a própria concepção de literatura, desenvolvida a partir do século XIX, tenta ocultar.
Palavras-chave: ARQUIVOS, POLÍTICAS DA ESCRITA, VINICIUS DE MORAES
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