Nossa comunicação pretende analisar as representações da escrita de ficção e da memória na evocação dos “valores do abjeto” (DIAS, GLENADEL, 2008), em três romances de Agota Kristof, escritora de origem húngara radicada na Suíça: Le grand cahier (2014), La preuve (1995) e Le troisième mensonge (1995). A partir da narrativa da infância e adolescência dos gêmeos Klaus e Lucas durante a Segunda Guerra, no primeiro texto, descobre-se um universo marcado pela violência (ARENDT, 2000) e pela crueldade (ROSSET, 2002). O romance, escrito num estilo infantil que remete à idade dos narradores, culmina com a separação dos irmãos. O segundo romance narra a vida de Lucas, que espera o retorno do irmão exilado num país fronteiriço. Quando este volta, trinta anos depois, Lucas desapareceu da cidade. Klaus, por sua vez, é preso pelas autoridades locais. Com o último livro, começa o trabalho de desconstrução ficcional da narrativa da memória dos gêmeos registrada no “grande caderno”. As versões diferentes da história dos irmãos acabam por solapar a unidade dos três textos, que se revelam cada vez mais como um tecido de mentiras e de memórias ficcionalizadas de personagens impelidos pela pulsão de escrever para escapar da solidão e da loucura da guerra. Asssite-se, pois, à evocação de histórias que recriam o universo sufocante de um regime totalitário com sua engrenagem tentacular na instauração de seus “poderes do horror” (KRISTEVA, 1983). Nosso trabalho visa ainda interrogar os poderes da escrita de uma autora “analfabeta” (2004), que precisou se reinventar em “francês, a língua de seu exílio” (1995).