Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
MACHADO DE ASSIS, A CIDADE, A MÚSICA E O TEMPO
VIVIANA MÓNICA VERMES
A cidade do Rio de Janeiro entre o século XIX e as duas primeiras décadas do século XX foi alvo de vários projetos reformistas, tanto em aspectos físicos da cidade quanto no âmbito dos costumes. O processo teve início ainda no começo do século XIX, com a vinda da família real portuguesa em 1808, e um marco foi a criação do Município Neutro, separado do resto da província, em 1834, numa trajetória de construção física e simbólica, primeiro da capital imperial, depois da capital da República. A oposição entre uma visão de cidade provinciana vs. cidade capital se estendeu até o século XX, com esforços em fazer desaparecer o Rio colonial dando lugar à cidade moderna (ou a uma ideia de cidade moderna) e pesa também nas representações da vida na cidade que encontramos em vários tipos de documentos. Nestes percebe-se quanto a música integrava a teia de atividades e experiências da cidade do Rio de Janeiro no período de grandes transformações que foi a primeira década da República. Fazia-se música praticamente em todos os lugares: na rua, em casa, nos teatros, nos restaurantes e cafés. Parte dessas práticas e repertórios musicais aparece registrada na historiografia da música brasileira, parte pode ser recuperada a partir da análise de fontes como jornais e documentos oficiais, mas essa documentação nem sempre nos permite perceber os significados que tais repertórios e práticas tinham para as pessoas que os experimentavam. Nas crônicas, que saem do espaço híbrido entre a notícia e a fantasia, produzidas para consumo imediato e permeadas da experiência da vida na cidade, encontramos inevitavelmente os ecos da música que se fazia e da forma como era recebida ao menos por uma parte daquela sociedade. Da vasta produção carioca de crônicas do período em tela, selecionamos a série “A Semana” de Machado de Assis, publicada no jornal Gazeta de Notícias entre 1892 e 1897. Este é último conjunto de crônicas escritas por Machado e são consideradas como os melhores exemplares do autor nesse gênero. Trata-se de um conjunto de 248 crônicas em 49 das quais há referência direta à música. Essas crônicas, assim como todas as outras séries que Machado publicou ao longo de sua vida, tinham como propósito esse destino fugaz nas páginas dos jornais de circulação diária. E com seu tom sem monumentalidade e ênfase, como aponta Antonio Candido, nos possibilita uma aproximação da experiência quotidiana, dos usos e valores, “ajudando a restabelecer a dimensão das coisas e das pessoas.” (Antonio Candido, 1992, p. 14). Ao superpor o relato dos manuais de história da música brasileira, o registro das atividades diárias no jornal O Paiz, documentos oficiais (posturas e processos) e as crônicas de Machado de Assis, vislumbramos com mais riqueza a intensa vida musical do Rio de Janeiro da última década do século XIX.
Palavras-chave: RIO DE JANEIRO, MÚSICA, CRÔNICA, MACHADO DE ASSIS
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