Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A AMBIVALÊNCIA DO “CHOQUE” EM A ALMA ENCANTADORA DAS RUAS, DE JOÃO DO RIO
TIAGO DE HOLANDA PADILHA VIEIRA
Em “As grandes cidades e a vida do espírito” (1903), Georg Simmel ressalta, como traço geral do habitante da metrópole moderna, a intensificação de sua vida nervosa por causa da rápida e constante variação das impressões sensíveis. Segundo Simmel, como reação protetiva a esse “excesso” de estímulos, sentido como ameaça, o indivíduo tenderia a certa indiferença ao particular, ao peculiar; estaria, pois, propenso a tornar-se blasé. Por sua vez, Walter Benjamin, na década de 1930, afirma que esse bombardeio de imagens desconexas resulta em “choques”, os quais o citadino busca amortecer por meio da consciência. O estado de distração com que tais colisões são “amortecidas” indicaria a formação de um hábito, a adaptação do sistema perceptivo às tensões modernas. Por outro lado, Willi Bolle, em estudo sobre a obra benjaminiana, observa que a rotinização das percepções provoca uma espécie de inércia, apaziguamento, automatismo ante os choques cotidianos. Com base nessas referências teóricas, o objetivo de nossa comunicação será interpretar as presenças do “choque”, no sentido benjaminiano, nas crônicas de A alma encantadora das ruas (1908), de João do Rio. Neste livro, o referido elemento parece revelar, como sugere Flora Sussekind, um esforço de mimetização do que se julga ser o caráter multifário, fragmentário, acelerado da cidade do Rio de Janeiro na Belle Époque. Pretendia-se reproduzir novas sensibilidades e assimilar aspectos das inovações técnicas. As crônicas formam um conjunto de quadros, ou melhor, de sequências móveis que representam/recriam pedaços das ruas cariocas. Não obstante esse esforço mimetizante, a hipótese central de nosso trabalho enfatiza uma postura política ambivalente: no livro em discussão, o choque serve ao reforço de teses cientificistas da época, mas também contribui para o esboço de uma prática (espacial) alternativa à preconizada pelas elites dirigentes. (Tal ambivalência realça que o termo “choque” denota conflito e encontro, repelão e contato, segregação e ligação). A ordenação dominante parecia defender uma separação definitiva entre posições hierarquizadas, entre “bárbaros” e “civilizados”, dicotomia endossada, parcialmente, pelo narrador-personagem das crônicas. Por outro lado, o choque também é usado para a instabilização desse modelo. A obra ressalta a necessidade de que a cidade, não redutível àquela hierarquização, seja conhecida em suas facetas múltiplas e surpreendentes. Aponta-se que o encontro entre grupos sociais, ainda que desarmônico, pode ser mutuamente esclarecedor. Os embates acentuam não apenas diferenças, mas inter-relações entre elementos que, aparentemente apartados e até opostos, integram uma mesma contextura “modernizadora”. Em estado de aguda e deliberada atenção – distante da indiferença (Simmel) e da distração (Benjamin) –, o narrador lança o corpo ao incômodo, ao susto decorrente do contato com estranhezas da denominada “classe baixa”. As tensões da cidade não são “domadas”, reconciliadas: permanecem perturbadoras. O narrador não parece pacificar sequer a própria posição, mantida dispersa, incerta, sem nítida filiação social – narração em meio ao turbilhão. Uma possível complexificação da nossa hipótese é pensar os choques como espaçotemporais, ao imaginar-se uma coexistência entre tempos – Gilberto Freyre avalia aquela época como “não de um tempo só mas de vários, e esses às vezes contraditórios”.
Palavras-chave: JOÃO DO RIO, CRÔNICA, CIDADE, CHOQUE
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