JOÃO PAULO MARTINEZ HILDEBRANDT, CARLINDA FRAGALE PATE NUÑEZ
No livro Altas literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos [1998], Leyla Perrone-Moisés afirma que a cultura judaico-cristã entende o tempo de maneira linear e teleológica. Para ela, apesar de algumas vertentes destoantes – como a animada pelo pensamento de Giambattista Vico –, a concepção de história que predominou e se instalou como disciplina acadêmica é uma concepção linear, causalista e finalista. Esta disciplina, por sua vez, veio a servir de modelo à história literária, que se criou e se firmou, portanto, sob a égide da história geral positivista, e condicionada pela lógica da sucessão. Daí decorre, também, uma concepção da tradição como fonte de ensinamentos e, como consequência, de dívida dos novos para com os antigos (p. 27). Leyla entende, porém, que, por mais que a literatura nasça sempre da literatura, a lógica das relações entre antigos e novos escritores não é facilmente definível, e certamente não é redutível à mera sucessão, que tende a gerar uma genealogia submissa e epigonal, com rendimento estético pouco relevante (p.27). Para tentar esclarecer as complexidades desse processo, a autora mapeia em seu estudo os paideumas de alguns escritores-críticos do século XX – a saber: Ezra Pound, T.S. Eliot, Jorge Luis Borges, Octavio Paz, Italo Calvino, Michel Butor, Haroldo de Campos e Philippe Sollers –, encontrando referências recorrentes e valores compartilhados por eles. Segundo ela, escolher falar de certos escritores do passado e não de outros é uma maneira de estabelecer uma espécie de tradição particular e, de alguma forma, reescrever a história literária. Pois bem: a análise de Leyla Perrone-Moisés é uma das inspirações centrais para o projeto de mestrado que estamos desenvolvendo em torno da obra do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986), cuja poética é tão marcada pela consciência de que a originalidade nada mais é o que uma questão de rearranjo de um repertório escolhido. Se Leyla está correta quando diz que “as observações de Borges sobre a tradição literária se inscrevem, assim, numa reflexão mais ampla sobre o tempo e a linguagem, que informa toda a sua obra” (p. 33), entender as minúcias dessa reflexão é a nossa intenção. Na comunicação, procuraremos nos concentrar em certos aspectos da pesquisa sobre Borges que podem interessar mais diretamente aos colegas de simpósio. Além da já referida relação complexa com o cânone e, por conseguinte, com a história da literatura, mencionemos, brevemente, a aproximação de Borges à literatura gauchesca, vista como uma manifestação do páthos épico e espécie de vínculo entre a literatura argentina e a imemorial tradição europeia do gênero; e a forma como a reciclagem de referências pode configurar uma estratégia interessante para literaturas mais recentes e não hegemônicas, como as latino-americanas. Para tal, serão importantes os estímulos que temos encontrado nas obras de autores tão diversos como a historiadora francesa Nicole Loraux, a ensaísta argentina Beatriz Sarlo, o professor e crítico carioca João Cezar de Castro Rocha, o historiador paulista Júlio Pimentel Pinto e o historiador da arte alemão Aby Warburg.
Palavras-chave: JORGE LUIS BORGES, CÂNONE, LITERATURA LATINO-AMERICANA