Pretende-se analisar a escrita performática de Allan da Rosa no texto dramático Da Cabula, produção literária marginal contemporânea cujo tema central é o processo de apropriação da escrita por uma mulher analfabeta, Filomena da Cabula, em meio a seus embates na lida cotidiana. Filomena, negra, pobre, analfabeta, sofre humilhações constantes e vê na aquisição da escrita uma forma de resistência à opressão diária. A discussão sobre narrativa performática pauta-se em Graciela Ravetti (2003, 2011). A publicação de Rosa se insere na chave da literatura marginal, na acepção de Ferréz (2002, 2005). O termo tem sido empregado em relação à produção literária de escritores que pertençam a grupos de excluídos, os quais tentam “se fazer ouvir”, buscam superar a condição de exclusão social que vivenciam. Essas produções oriundas de grupos marginalizados são aceitas no campo da disputa literária, porém, muitas vezes atreladas a guetos, perpetuando uma forma de opressão que elimina da literatura aquilo que traz as marcas da diferença social. Aponta-se, nesse trabalho, a percepção de uma política de escrita, pautada em conceito de Jacques Rancière (1995). A escrita de Allan da Rosa, em especial Da Cabula, aqui abordada, é perspectivada por uma política da escrita que problematiza aspectos vivenciados por uma parte da sociedade geralmente silenciada. É do espaço da periferia que ecoam suas vozes. Da Cabula grita realidades de dentro, apresenta uma coerência temática e dá passagem ao grito do autor, mas ao mesmo tempo de toda uma coletividade, na tentativa de dar acesso a vozes nas sombras. Mais do que a filiação a um rótulo, Da Cabula constrói representações de uma vivência periférica cuja voz exala de dentro, constituindo-se em uma leitura sensível de uma existência marcada por um desejo de resistir, apesar de todas as forças contrárias. Os habitantes de espaços periféricos, situados em ilhas urbanas, expropriados de uma série de direitos básicos para sua existência, não têm o devido acesso a partes exclusivas na partilha do sensível. Configura-se, então, um processo de reterritorialização, estabelecendo participação em um conjunto comum, partilhado, o espaço periférico. A escrita literária de grupos oriundos de espaços marginais configura-se como um ato político de enfrentamento à invisibilidade imposta e ao silenciamento, uma forma de luta contra o status quo de padrões culturais impostos e modelos de existência predeterminados. Assim, na escrita performática Da Cabula reconfigura-se uma partilha do sensível, com uma escrita politizada cujos traçados capitalizam vidas de habitantes das periferias, redesenham as comunidades, retraçando linhas divisórias e provocando leituras sensíveis das realidades ficcionalizadas (ou não) pela força dessa narrativa.
Palavras-chave: LITERATURA MARGINAL CONTEMPORÂNEA, PRCESSO DE RETERRITORIALIZAÇÃO, ESCRITA PERFORMÁTICA, POLÍTICAS DA ESCRITA