Na pós-modernidade há uma tendência à desnaturalização de características dominantes em nosso modo de vida (HUTCHEON, 1987). Desde a arquitetura, passando pela fotografia até a literatura, o pós-modernismo instaura novas possibilidades ao mesmo tempo em que as subverte, questionando inclusive o cânone literário ocidental. Sobre este momento, Stuart Hall (1992) assevera que houve mudanças significativas na concepção de identidades culturais, a ponto de podermos substituir o termo "identidade" por "identificação" - uma vez que não somos mais portadores de uma identidade fixa e imutável, mas assumimos diferentes identidades em diferentes ocasiões. É neste contexto que estão inseridas as obras Bobbi Lee Indian Rebel: Struggles of a Native Canadian Woman (1975), de Lee Maracle e Don Barnett, Meu nome é Rigoberta Menchú e assim nasceu minha consciência (1992), de Rigoberta Menchú e Elizabeth Burgos, e A queda do céu: palavras de um xamã yanomami (2015), de Davi Kopenawa e Bruce Albert, que trazem relevantes questões de identidade, autoria e de gênero literário. No mundo pós-moderno, os questionamentos e desnaturalizações, instaurações e subversões são causa para uma nova postura também em relação à alteridade. Uma vez que as identidades se tornam fluidas, e o que define o "eu" não mais necessariamente o contrapõe a um "outro", pode-se perceber que o que antes cabia àquele, pode acabar sendo atribuído a este. A autoria das obras em questão é um exemplo desta desconstrução: as narrativas autobiográficas supracitadas tratam de um "eu" indígena, pobre, habitante das margens da sociedade em que vive e que na maioria das vezes, não possui domínio da língua escrita - um verdadeiro "outro". Aqueles que as escrevem, por outro lado, condizem com a tradicional concepção de autores de narrativas autobiográficas - indivíduos brancos, cultos e de classe social mais alta. Contudo, o fato de haver dois indivíduos envolvidos na construção destas obras destoa imensamente das narrativas autobiográficas canônicas ocidentais. Na dinâmica modelo (indígena)/redator(branco) percebe-se, às vezes, relações de poder que merecem ser exploradas para que seja possível estudar a estrutura e o contexto em que as obras foram escritas. O "eu da narrativa" e o "eu escritor" são dois indivíduos diferentes, vivendo em contextos culturais, sociais e políticos distintos e com interesses próprios na obra por eles produzida - o que pode atribuir também características da escrita etnográfica às obras em questão. Porém, é indiscutível o teor autobiográfico - e, às vezes, poético - que as narrativas possuem, assim como seu forte teor político. Afinal, há um gênero literário que abarque estas características? É possível encaixá-lo em classificações já existentes ou será preciso abrir novos precedentes literários para estas obras?
Palavras-chave: LITERATURA INDÍGENA, PÓS-MODERNISMO, ALTERIDADE, GÊNERO-LITERÁRIO