Através de seus temas e figuras recorrentes, suas convenções e seus “maneirismos, a literatura gótica consolidou-se como uma tradição artística que codificou, por meio de narrativas ficcionais, um modo de figurar os medos e expressar os interditos de uma sociedade. Seu principal traço distintivo – a produção de prazeres estéticos negativos, como o sublime terrível da tradição burkeana, o grotesco, o trágico, o melodramático, art-horror etc. – é resultado direto da visão moderna de mundo que lhe enforma. O que se chama de Gótico é a consubstanciação de uma percepção de mundo desencantada – com as cidades modernas, com o futuro que o progresso científico nos reserva, com o papel insignificante do homem no cosmos, com a própria natureza dessacralizada do homem – em uma forma artística altamente estetizada e convencionalista – exatamente por ser desprendida do desejo de representar, de maneira imediata, a realidade. Tal concepção de Gótico afirma seu caráter de constante literária de fundamental importância para o estudo da ficção moderna até a contemporaneidade. Sem negar que, do ponto de vista da história da literatura, a ascensão da literatura gótica per se possa ser estabelecida em fins do século XVIII e início do XIX, o estudo da ficção gótica não se limita a suas realizações como gênero literário histórico, mas o toma como um modo ficcional de concepção e expressão dos medos e ansiedades da experiência moderna. Entre os muitos elementos convencionais dessa tradição, três se destacam por sua importância para a estrutura narrativa e a visão de mundo góticas: o locus horribilis, a personagem monstruosa e a presença fantasmagórica do passado. Obviamente, eles não são, em si mesmos, exclusivos da literatura gótica. No entanto, quando aparecem em conjunto e sob o regime de um modo narrativo que emprega mecanismos de suspense com objetivo expresso de produzir, como efeito estético, o medo ou suas variantes, esses três aspectos podem sim ser descritos como os elementos essenciais da narrativa gótica. O presente artigo pretende analisar um desses elementos, a presença fantasmagórica do passado, a fim de compreender sua motivação histórica, seu sentido cultural e sua função narrativa no Gótico. Sendo um fenômeno moderno, a ficção gótica carrega em si as apreensões geradas pelas mudanças ocorridas nos modos de percepção do tempo a partir do século XVIII. A aceleração do ritmo de vida, a emergência da ideia de progresso e a consequente necessidade de se pensar um futuro em constante transformação promoveram a ideia de rompimento da continuidade entre os tempos históricos. Os eventos do passado não mais auxiliam na compreensão do que está por vir: tornam-se estranhos e potencialmente aterrorizantes, retornando, de modo fantasmagórico, para afetar as ações do presente. Em uma de suas formas de enredo mais recorrente, o protagonista gótico é vítima de atos pretéritos, nem sempre por ele perpetrados.