Através da leitura crítica da correspondência de Italo Calvino (1923-1985), reconstruímos a biografia intelectual do autor, percorrendo as etapas principais de sua formação e de sua produção. Vista a dimensão da obra do escritor italiano, tal reconstrução se configura como um esboço geral que de maneira alguma pode-se dizer exauriente. O livro "Lettere (1940-1985)", organizado por Luca Baranelli e publicado por Mondadori em 2000, reúne não somente um grande número de cartas enviadas por Calvino a parentes, amigos, escritores e editores, mas também trechos citados das cartas enviadas para Calvino pelos seus correspondentes. Segundo Baranelli, mesmo não reunindo a totalidade das cartas escritas por Calvino, o livro pretende se constituir como uma antologia dotada de “massa crítica suficiente para a valorização seja da qualidade que da variedade dos textos” (2000, p. LXXVI). Diante do enorme conjunto de cartas, a escolha que fizemos entre os trechos mais significativos foi tão difícil quanto necessária: priorizamos, na nossa sucinta seleção, que segue uma ordem cronológica, o diálogo assíduo de Calvino com amigos escritores e críticos literários italianos e estrangeiros. Acompanhamos o autor aos 16 anos, em 1940, durante a fase do liceu clássico em Sanremo (Ligúria), seu relacionamento com o colega Eugenio Scalfari (futuro fundador do cotidiano "La Repubblica"), suas primeiras leituras, suas primeiras tentativas como escritor e em seguida a inscrição na faculdade de agronomia em Turim, cidade que será o “centro de minha vida e de minha formação intelectual” (2000, p.948); sua participação entre os partigiani contra o nazi-fascismo no final da 2° guerra mundial; a inscrição na faculdade de Letras na Universidade de Turim e a tese sobre a obra de Conrad; a publicação do primeiro romance em 1947, "Il sentiero dei nidi di ragno"; o início da colaboração com a editora Einaudi que durou pelo resto da vida e o convívio cotidiano com escritores, como Cesare Pavese e Elio Vittorini, que foram modelos fundamentais para a sua formação intelectual assim como para a sua produção narrativa. Em 1950, logo após o suicídio de Pavese, escreve para Isa Bezzerra (p.297) que Cesare foi: não somente o autor predileto, um amigo entre os mais queridos, um colega de trabalho há anos, um interlocutor cotidiano, mas também uma das figuras mais importantes da minha vida, alguém a quem devo quase tudo o que sou, que determinou a minha vocação, que encaminhou, estimulou e seguiu sempre o meu trabalho, influenciando o meu modo de pensar, meus gostos, até meus hábitos na vida e meus comportamentos. Há trechos em que Calvino reflete explicitamente sobre o ofício de escritor, como na carta de 1972 para Giuseppe Bonura (p.1166) para o qual confidencia: Agora começo de novo a entender que a única coisa que eu quero é escrever, publicar, comunicar, mas ao recusar isso e aquilo, acabei perdendo o amor pelas imagens da vida contemporânea e, até do ponto de vista teórico, as coordenadas do meu discurso, colocadas em crise de todas as formas, não consigo mais domina-las. Em outros trechos, o autor fala de sua poética, como em carta para Claudio Varese, onde diz que "Le città invisibili" resta “fiel a uma ideia de literatura como instrumento de conhecimento” e acrescenta (p.1206): Talvez eu não seja um escritor de livros sérios e solenes: o que quero dizer é que também através do humorismo, da ironia, da caricatura e talvez do paradoxo é possível induzir as pessoas a pensar sobre várias coisas que passariam despercebidas, colocar em movimento rapidamente a mente e raciocinar de forma mais eficaz. Há cartas do final dos anos 1970 que relatam o diálogo com Sergio Solmi centrado na colaboração para a tradução da Petite cosmogonie portative de Raymond Queneau, que Calvino havia convencido Solmi a traduzir para Einaudi. Em 1980, dois anos antes da publicação, Italo lhe escreve dizendo que está preparando um “guia para a pequena cosmogonia” no qual (p.1426): Irei indicar as grandes dificuldades superadas pela sua tradução e citarei a nossa colaboração; porém não seria justo colocar o meu nome ao lado do seu, segundo a proposta generosa feita por você e pela qual lhe sou grato, mesmo não podendo aceita-la. A tradução é obra sua; sua é a impostação estilística e o enorme trabalho de versificação, enquanto eu fiz apenas alguns retoques em detalhes. Em muitas páginas não existe nenhuma intervenção minha. A minha colaboração se limita a uma revisão que por minha culpa realizei sem regularidade e com grandes atrasos.
Palavras-chave: ITALO CALVINO, CORRESPONDÊNCIA, LITERATURA ITALIANA CONTEMPORÂNEANEA, NARRATIVA