Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A BATALHA DOS DIÁLOGOS: SILÊNCIOS, REPETIÇÕES E PARATAXES NO FILME PICKPOCKET (BRESSON, 1959) E SUA RELAÇÃO COM CRIME E CASTIGO
LUÍZA BEATRIZ AMORIM MELO ALVIM
O diretor francês Robert Bresson fez duas adaptações de novelas de Dostoievski: os filmes Uma mulher suave (1969), a partir de A dócil, e Quatro noites de um sonhador (1972), de Noites brancas. Porém, a influência da literatura de Dostoievski vai muito além deles e Sémolué (1993) encontra diversas frases do autor russo em toda a filmografia do diretor. Embora não caracterizado por Bresson como tal, Pickpocket (1959) pode ser considerado uma adaptação livre de Crime e castigo. Há: um jovem estudante pobre (Raskolnikov se torna Michel), um crime (no filme, o delito é bater carteiras), uma jovem de bom coração (Jeanne, correpondente a Sonia) por quem ele se apaixona, um amigo (Jacques, correspondente a Razumikhin) que o aconselha, um delegado, a perdição da moça, a prisão e a redenção final por meio do amor. O filme é conduzido em momentos esparsos pela voz over de Michel, mas são também fundamentais os diálogos dele com Jeanne, Jacques e o delegado, que funcionam como duelos marcados pelos vazios dos silêncios entre as falas, o que confere um ritmo especial a elas, ainda mais levando-se em conta a intonação monótona característica dos personagens bressonianos. Dahan (2004) observa que essas pausas causam uma ênfase em determinadas palavras, muitas vezes, no final de uma frase interrogativa e repetidas na frase seguinte do interlocutor. A parataxe é um recurso bastante empregado em Pickpocket e contribui para o ritmo interno das falas, com as pequenas pausas entre cada elemento de igual função. Por outro lado, a falta de pausa na emissão de duas frases assíndetas cria uma ênfase. Por exemplo, no primeiro diálogo de Michel com Jeanne na prisão, a curva ascendente na intonação das frases assíndetas de Michel é uma marca sutil da sua revolta. Jardonnet e Chabrol (2005) observam que, nos diálogos com Jacques, Michel exerce a sua superioridade sobre ele, conduzindo o embate e interrompendo-o por meio de um desvio da conversa. Jeanne é um adversário mais forte: embora, na maior parte do tempo, Michel esteja na posição de comando das questões, a moça, por vezes, consegue tomar a frente. Também as conclusões das conversas com ela são mais no sentido da evasiva, com respostas que, por vezes, querem dizer exatamente o seu contrário. O delegado é o oponente mais perigoso. Como lembra Collet (1960), é o único interlocutor capaz de provocar um acesso de raiva no protagonista. O delegado chega a manipular parte do diálogo e tem o poder de o interromper com o seu silêncio e sua saída repentina. Pretendemos analisar detalhadamente esses diálogos do filme e comparar suas estruturas características (as pausas, as repetições, a parataxe e os cortes repentinos) com as presentes em diálogos entre personagens correspondentes de Crime e castigo. Temos em vista a concepção bakhtiniana de dialogismo e polifonia, embora, neste trabalho, levemos em conta principalmente o “diálogo externo”, de conversa entre dois personagens, e menos o “diálogo interno”, o do personagem em sua consciência, que, no filme, pode ser materializada pela voz over.
Palavras-chave: CINEMA FRANCÊS, DOSTOIEVSKI, DIÁLOGOS
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