Falar em fantástico em Machado de Assis pode, à primeira vista, parecer assaz estranho. Ora, o Bruxo do Cosme Velho tem sido apontado pelas historiografias literárias e pelos manuais didáticos como o principal nome da escola realista brasileira, cujo romance Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), junto ao O Mulato (1881), de Aluízio Azevedo, teria dado início à escola real-naturalista no Brasil. É no mínimo estranho pensar que um romance narrado por um defunto-autor e de estrutura tão lacunar seja de matriz realista. O que tem sido posto em xeque pela academia já há alguns anos. Basta perceber o crescente número de artigos, ensaios, dissertações e teses que questionam esse rótulo de romance realista para as Memórias. Aliás, não seria nesse mesmo romance dito fundador do realismo no Brasil que aparecem críticas contundentes à tal escola? Não seria esse mesmo romance a resposta ficcional de Machado ao Primo Brasílio de Eça de Queiroz? (Cf. BERNARDO, 2011; ROCHA, 2013) Gustavo Bernardo (2011) defende a tese de que Machado de Assis não é realista. E vai mais além ao demonstrar que “o escritor brasileiro é ainda o adversário mais veemente e mais qualificado do realismo em qualquer época” (BERNARDO, 2011, p. 13). Aliás o próprio termo realismo guarda consigo uma contradição: “a literatura que se quer realista se esforça desesperadamente para não ser o que não pode deixar de ser, isto é, literatura. Por isso, nem todos concordam com aquelas duas teses de Lukács: o realismo é o ideal a ser seguido por todos; logo, escritores não realistas como Kafka são escritores menores” (Ibid., p. 49). Ora, não seria Machado de Assis também um Kafka? Wanderlei Barreiro Lemos (2014), num ensaio bastante provocativo aproxima dois escritores brasileiros ao escritor tcheco Franz Kafka, a saber, Machado de Assis e Murilo Rubião. A partir das reflexões de Jorge Luís Borges e Antônio Candido, Lemos defende a possibilidade de um parentesco literário entre os três autores. O estilo machadiano, ressalta, estaria bem próximo ao kafkiano, seja no estilo, seja no tema. Assim, consideraria o Bruxo do Cosme Velho como “um percussor” de Kafka e por extensão, de Murilo Rubião. Aproxime-se ou não de Kafka, o fato é que ao aproximar a obra machadiana à escola real-naturalista, taxando-a de realista, se nega não somente sua obra, como, principalmente, “seu combate explícito e simbólico ao realismo”. (Ibid., p. 50). Assim como problematizou a escola realista em sua obra pós Memórias, também o fez em relação ao contos fantásticos que escrevera, problematizou o gênero (Cf. SILVA, 2012). Por isso, o presente trabalho se dispõem a comentar alguns dos contos fantásticos do Bruxo do Cosme Velho reunidos em 1973 por R. Magalhães Júnior, sublinhado a originalidade do autor ao questionar e reinventar temas e expedientes recorrentes ao gênero fantástico.
Palavras-chave: MACHADO DE ASSIS, FANTÁSTICO, INSÓLITO, LITERATURA BRASILEIRA