Como ensinar literatura, como trabalhar em sala de aula a literatura, principalmente ao se levar em conta os "males" da indústria cultural? É uma questão que nos trouxeram dois orientandos de prof-letras. Primeiro, tem-se que perceber que Adorno ao analisar a indústria cultural esqueceu-se de observar que a própria imprensa de Gutemberg já era um empreendimento capitalista de "indústria cultural", embora ele comente en passant sobre o “romance comercial inglês do fim do século XVII e do início do XVIII” (Dafoe!, Swift!), que grande parte do que ao tempo de Adorno podia ser chamado de clássicos da literatura já eram em seu berço frutos da "indústria cultural". Em segundo lugar, tem-se que perceber o imaginário do leitor contemporâneo, sem esquecer que Machado de Assis foi um fenômeno de mídia da época. Hoje uma série de tv, Game of Thrones, faz enorme sucesso mundial, com estreias simultâneas em vários países. Ela vem na esteira de enormes sucessos de versões cinematográficas de um gênero de fantasia épica que tem na literatura seu nascedouro. Via de regra a partir de uma literatura de “segunda ou terceira classe”, de enorme sucesso: O senhor dos anéis; As crônicas de Nárnia; As brumas de Avalon; Harry Porter... Mas também de versões cinematográficas de epopeias, narrativas bíblicas e mitológicas como estórias de Hércules, Rei Arthur, Moisés, Tróia, Perseu, Beowulf. Um gênero hoje tão bem executado no cinema que parece não apresentar nenhum problema de apresentação realística mesmo para as concepções mais fantasiosas da literatura. Na compreensão desses sucessos, não podemos nos esquecer também dos games, RPGs e de computadores, hoje jogados majoritariamente em plataformas interativas via internet. Toda essa massa de indústria cultural seria impensável por Adorno, mas devemos considerar como impossível fazermos considerações sobre a literatura hoje sem levarmos em conta os seus possíveis leitores de hoje. Chamemos todas essas obras de mobilização e produção imaginária de lixo, tudo bem. Mas como pensar no leitor de literatura destacado deste universo se os próprios autores de hoje – da boa e da má, da grande e da pequena, da nobre e da furreca, da mais ou da menos sofisticada literatura – estão nascendo e vivendo em contato com essas mídias todas, surgindo em meio a este universo, produzindo seus textos em computadores, tablets etc.? E diante da Indústria Cultura Contemporânea, mais do que nunca, ler literatura e ler a realidade dos mass-media (e tudo mais) como ficto-realidade. Somente a leitura como ato de voluntária suspensão da descrença ensina que um mundo bastante verdadeiro pode ser inteiramente construído com palavras, e essas palavras não serem preenchidas por referentes no mundo do cotidiano, como a colher modelos na superfície dos dias. A leitura da literatura ensina a reler as linguagens com que o mundo é apresentado pelos mass-media, e não são apenas os clássicos que nos ensinam isso. Assim, o que nos propomos fazer é iniciar uma reflexão sobre o ensino de literatura que se pense a partir de uma reversão do platonismo tal como posto por Deleuze.
Palavras-chave: ENSINO DE LITERATURA, TEORIA DA LITERATURA, POÉTICAS DE SINGULARIZAÇÃO, FICTO-REALIDADE