Os pilares epistemológicos e culturais que sustentam a base da sociedade ocidental promovem ao longo de séculos uma valoração negativa em torno da figura da sombra. No entanto, autores como Roberto Casati e Victor I. Stoichita demonstram que o elemento umbroso pode ser um instrumento de conhecimento importante. No âmbito literário, especificamente, nota-se que tanto a poesia quanto a prosa vão apresentá-la como um valoroso componente estético. Desde a Comedia, de Dante Alighieri, na qual a maioria das personagens são sombras até narrativas do século XX, como Histoire de Julie qui avait une ombre de garçon, de Christian Bruel, em que se verifica uma discordância entre o corpo da protagonista e a sua projeção, encontra-se uma pluralidade semântica inerente a esta imagem que enriquece as possibilidades reflexivas daqueles que se debruçam sobre ela Os exemplos teóricos e literários mencionados indicam a sombra como um tema significativo no pensamento europeu. Na Literatura, a relação que mantém com o corpo que a origina permite distintas construções metafóricas. Ao longo da pesquisa, observa-se a aparição do objeto em questão em, pelo menos, quatro contextos. Isto é, a silhueta é representada como: uma projeção inerente e semelhante ao seu dono, um componente dissociável do sujeito, um elemento em si que independe do corpo que o origina e um perfil inerente, mas discordante daquele que o projeta. Entende-se que a sombra se camufla com tonalidades distintas para se imiscuir no campo literário. No entanto, uma pergunta surge ao longo da pesquisa: Onde se encontra a escrita da sombra? As pistas deixadas por Alejandra Pizarnik, em Texto de Sombra, insinuam a necessidade de sair da Europa em direção às terras do Sul para encontrá-la. Ademais, apontam a necessidade de captar a voz daqueles que foram desautorizados ou invisibilizados pela História Literária. Ao percorrer as trilhas indicadas, percebe-se a possibilidade de que a resposta esteja no caminho e não, necessariamente, no destino cobiçado. Digo, a busca empreendida desvela diversas poéticas da sombra que vão se sobrepondo. É a escrita de autores e a representação de vozes cujo gênero, etnia, classe, sexualidade, saúde física ou mental escapam da normatividade imposta pelo cânone; é a poética dos marginalizados da escrita que criam sombras uns sobre os outros. Enquanto fruto de uma pesquisa de doutorado, entende-se a impossibilidade de discutir todas as questões levantadas no curso da investigação. Por isso propõe-se uma breve exposição das faces daquilo que denominamos como poéticas da sombra. Como objeto de análise, sugere-se o conto “A gente combinamos de não morrer”, de Conceição Evaristo”, uma vez que a escritora se apropria da palavra e da representação para cantar os louvores e as dores de personagens e ambientes constantemente idealizados ou ignorados pela tradição literária. Desta forma, confere subjetividade àqueles que seriam apenas aparências desprovidas de profundidade nos domínios da literatura e demonstra um jogo de sombras presente naquilo que se denomina como Literatura Brasileira.
Palavras-chave: POÉTICA DA SOMBRA, SUBJETIVIDADE, REPRESENTAÇÃO, LITERATURA DE AUTORIA NEGRA