Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
MACHADO E DIDEROT: CRUZAMENTO DE OLHARES
STELA MARIA SARDINHA CHAGAS DE MORAES
O surgimento da “Escola Romântica”, no Brasil, propiciará à literatura um papel de ordem fundamental no processo de edificação da nacionalidade. Tema essencial cantado em verso e em prosa, a natureza brasileira oferecerá aos escritores brasileiros "o duplo movimento necessário ao estabelecimento de uma identidade: delinear a imagem do "eu" e mostrar a sua diferença em relação ao "outro" " (JOBIM, 1999, p.22). Nossa herança europeia, mais exatamente portuguesa, no entanto, não poderá ser apagada e o início da nossa literatura será marcado pela paradoxal tentativa de estabelecimento de identidade nacional através da utilização da língua do antigo colonizador. Daí a necessidade de adoção de temas diferentes, de caráter original, na busca de demarcação dos limites entre a literatura propriamente portuguesa e a brasileira. Ainda que reconhecendo o "instinto de nacionalidade" em obras contemporâneas como as de José de Alencar, e atestando "o geral desejo de criar uma literatura mais independente", Machado de Assis (1946, p.135) deixará transparecer, de maneira bastante nítida, a preocupação, até certo ponto, "pedagógica", em estabelecer os parâmetros que, ao mesmo tempo, dessem conta de uma literatura de caráter nacional e atual. A busca desses princípios de constituição de uma literatura nacional e em conformidade com seu tempo conduzirão Machado a transgredir o código dominante, a partir de Memórias póstumas de Brás Cubas, quando assume escrever "à maneira de Sterne", isto é, “com a pena da galhofa e a tinta da melancolia”. Nessa mesma linhagem “impura” situa-se, um século antes de Memórias Póstumas de Brás Cubas, Jacques le fataliste, de Diderot (1972). De acordo com Pierre Chartier (2010, p.65), a partir de 1740, a publicação e, em seguida, a tradução dos romances ingleses – Richardson (precedido por Defoe), Fielding, Sterne e Smolett – intervêm na vida literária e exercem uma influência definitiva sobre o gosto francês e europeu, de modo geral. Diderot teria ficado tão entusiasmado com a descoberta da obra Vie et Opinions de Tristram Shandy, que a teria parodiado em várias passagens de Jacques le Fataliste. Se as marcas de Sterne são totalmente visíveis nas obras de Machado e Diderot, as do autor de Jacques le fataliste, embora menos evidentes, podem, de acordo com Sergio Paulo Rouanet, ser reconstituídas em Xavier de Maistre, Garret e ... Machado de Assis. O presente trabalho destina-se a examinar, por um lado, de que maneira a obra de Machado inaugura uma “literatura nacional brasileira” de caráter “mestiço”, em que se citam e parodiam as obras literárias mais diversas dos mais variados autores. Por outro, em que medida as inumeráveis relações estabelecidas entre obras literárias produzidas em diferentes locais e momentos históricos distintos propiciam reflexões quanto ao duplo movimento indispensável à constituição de uma identidade, isto é, a assunção da imagem do “eu” e a identificação de sua diferença em relação ao “outro”.
Palavras-chave: MACHADO DE ASSIS, DIDEROT, CRUZAMENTO DE OLHARES, PARÓDIA
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