O lugar da crítica como, aliás, o de qualquer disciplina, estaria, simplesmente, na determinação do limite do que ela diz, ou das ideias que passa. Assim, trabalhando com temas e linhas de interesse provocados pela sua interação com a sociedade - o poder constituído e as filosofias que regem esse sistema - colocada entre duas fronteiras (por um lado, o crítico contribui para o conhecimento das leis a que a sociedade se submete; por outro, ele nunca é ideologicamente neutro), a escrita da crítica é impura, constituída pela alternância constante entre narrativização (portanto, próxima da ficção) e exame lógico dos seus dados (portanto, próxima da ciência) e vice-versa. Para compreendermos essas relações no Brasil é importante estudarmos como tudo começou. E, para isto, nada mais óbvio do que abordarmos o século XIX, quando tem início, propriamente, em nosso país, a consciência da luta pela formação de uma realidade nacional. A crítica literária está empenhada nesse projeto de construção nacional, trabalhando de várias maneiras para descobrir o que é ‘ser brasileiro’ e, assim, poder detectar essa ‘brasilidade’ nas obras estudadas, bem como conscientizar o público da sua existência. Nesse processo, as ideologias da época participam intensamente, influindo diretamente na crítica literária. Tentar estudar essas interações é tentar também estudar a formação do pensamento teórico no Brasil. Embora nosso trabalho possa ser chamado de ‘pretensioso’ (no sentido de pretender abordar todo esse processo), sabemos que precisaríamos de fôlego e de tempo para podermos dar conta de tudo isso. E que muito falta ainda por fazer para que possamos entender o Brasil hoje e há mais de um século. Na verdade, esse trabalho é só um esboço, uma tentativa de estudar a questão das ideologias que formaram a crítica literária no país; que, por sua vez, pretendia também formar os seus leitores; que, por sua vez, deveriam formar a nação... Para tanto, tentaremos fazer uma leitura das correntes europeias mais em voga no século XIX, constatando que elas quase sempre nos vêm da ou pela França. Misturando-se, essas ideias adquirem do lado de cá do Atlântico um estilo próprio, diferente em cada crítico que as adota. Empenhados na construção do país, acabam caindo num impasse, já que a crítica não consegue atingir um público significativo; assim, refletindo sobre o sistema vigente, os teóricos e ensaístas percebem a impossibilidade em que se encontram de atuar na sociedade. Essa ‘alienação’ a que o sistema os submete desencadeia uma outra prática, a da polêmica, composta de exercícios de retórica a que passa a se dedicar a intelectualidade do momento, frustrada por não poder participar ativamente da história do país. Tudo passa a ser motivo de querela, de disputa, consistindo muitas vezes em simples jogos de palavras no vazio, em que o que conta é o discurso e não as ideias que ele passa.
Palavras-chave: CRÍTICA LITERÁRIA, FRANÇA, OLHA ESTRANGEIRO, BRASIL