O século XX foi marcado por vertiginosas transformações nas estruturas socioculturais então vigentes, aspecto que configurou momentos históricos tão distintos no mesmo período que levou Eric Hobsbawm a caracterizá-lo como a “era dos extremos”. Em tal contexto, os processos de percepção, cognição e fabulação do tempo presente encontraram na aparente fluidez da modernidade seu objeto e seu desafio. Nesse caleidoscópio de composições lingüísticas e temáticas, uma perspectiva estético-literária se revela peculiar em sua recuperação do passado, sua problematização do presente e sua projeção do futuro: o romantismo anticapitalista, conforme a denominação de Lukács. Se, por um lado, os autores dessa corrente buscavam em suas obras, desde o século XIX, um retorno a estruturas pré-capitalistas idealizadas; por outro lado, suas retóricas denotavam a preocupação não apenas com a consolidação do racionalismo capitalista, mas também com o destino das sociedades orientadas por tal ideologia. Recorrentemente, alguns desses escritores flertaram com os limites do gênero utópico. Neste grupo, encontramos Aldous Leonard Huxley, autor britânico cuja produção ficcional e ensaística sempre foi pautada por uma profunda preocupação social. Romântico tardio assumido, Huxley recorreu em diferentes momentos de sua carreira ao gênero utópico como forma de veicular suas ideias e suas inquietações. No presente trabalho, propõe-se a análise de dois destes momentos criativos, os quais nos parecem particularmente emblemáticos da visão romântica e anticapitalista do autor: as escrituras das obras Admirável mundo novo (1932) e A ilha (1962). Ainda que separados por trinta anos, os romances revelam por meio das figurações, respectivamente, de uma antiutopia e de uma utopia a crítica de Huxley ao capitalismo, diretamente responsável pela concretização daquela e a destruição desta.