Cecília Meireles foi uma viajante; em suas muitas andanças pelo mundo, preocupou-se em conhecer o outro, sua língua, seus costumes, e, principalmente, preocupou-se em refletir sobre o olhar que lançamos sobre o ele e como, a partir desse olhar, podemos ver, de forma nova, a nós mesmos. Em virtude disso, a viagem sempre foi um tema recorrente em sua obra. O primeiro livro de sua fase madura chama-se Viagem (1939); Em 1953, a autora publica Poemas escritos na Índia; em 1968 publica Poemas italianos; e na primeira edição de sua poesia completa são publicados os Poemas de viagens (1964). Entre 1998 e 1999, são publicadas, em três volumes, suas Cronicas de viagens. Cecília entendia que “a arte de viajar é uma arte de admirar, uma arte de amar”. Diferenciando o viajante do turista, afirmava que, enquanto o turista “já está em sua casa, com fotografias por todos os lados, listas de preços, pechinchas dos quanto cantos da terra”, “o viajante [...] é uma pessoa sem data e sem nome, na qual repercutem todos os nomes e datas que clamam por amor, compreensão, ressurreição.” Uma leitura atenta dos Poemas escritos na Índia, bem como das crônicas que Cecília escreveu relatando as experiências de sua viagem à Índia, pode demonstrar a importância do lugar do outro na obra da escritora. Nas crônicas, podemos ler suas considerações acerca das relações entre o Ocidente e o Oriente, e da necessidade de uma iniciação, por parte do viajante, “para entender o Oriente”: “é preciso vê-lo, conhecê-lo […], e compreender a atitude de povos milenares que […], através de tantas desgraças, permaneceram intactos” e “experimentam agora, nessa idade de silêncio, o valor da sua sabedoria”. No caso dos poemas, percebe-se um eu-lírico preocupado em ver o outro não como o estranho, mas buscar, nele, sua própria alteridade. Podemo ver isso, por exemplos, nos poemas “Participação”, “Som da Índia” e “Música”. No primeiro, vemos um eu lírico que, inicialmente, olha “de longe” para essa alteridade, mas que paulatinamente vai olhando cada vez mais de perto, até alcançar a comunhão com o outro; e “Som da Índia” e “Música”, o eu lírico reconhece a limitação de seu próprio modo de ver e sentir o mundo, e busca aprender, com o outro, a superar tal limitação aprendendo novas formar de ver e sentir o mundo. O que propomos, em suma, é uma leitura dessas crônicas e poemas para, a partir deles, compreender as maneiras pelas quais, nessas obras, Cecília vê o viajante como aquele que busca, no outro, sua diferença, ao mesmo tempo que, a partir dessa diferença, olha de volta para si mesmo.