Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
A ERRÂNCIA COMO SUBSTRATO LÍRICO DA RESISTÊNCIA NO PÓSCOLONIALISMO: UMA LEITURA DE TERRA SONÂMBULA DE MIA COUTO
RENATA CRISTINA SANT"ANA
Em um contexto histórico conturbado, em que as estruturas sociais, políticas e culturais encontram-se intensamente desestabilizadas, a expressão lírica surge, e, através da complexa relação existente entre linguagem e sociedade, dá-se o constructo simbólico de toda a teia de relações que envolve indivíduos em situações extremas de desafios em seus deslocamentos espaciais e sociais, de resistência a um sistema excludente, compressor das diferenças étnicas e culturais, e por fim, de luta pela sobrevivência. A partir destas considerações, busco analisar as representações dos movimentos de deslocamentos – errância e nomadismo circular (GLISSANT, 2011) - no romance Terra Sonâmbula de Mia Couto, e o modo como a formação lírica se relaciona com a sociedade no sentido de fazer emergir vozes capazes de romper com o silenciamento imposto pelo poder hegemônico, a um povo esvaziado de sua humanidade, em uma terra espoliada de seus valores pela guerra fratricida pós-libertação. Em seus pressupostos teóricos, este estudo parte da palestra de Theodor Adorno sobre Lírica e Sociedade, em que filósofo afirma que “ o conteúdo de um poema não é mera expressão de emoções e experiências individuais. Pelo contrário, estas só se tornam artísticas quando, exatamente em virtude da especificação de seu tomar-forma estético, adquirem participação no universal. Assim, apresento neste trabalho o modo como, através da lírica, o escritor Mia Couto constrói um tipo de discurso ao mesmo tempo poético e político que reforça os valores civilizatórios das comunidades tradicionais integrantes e formadoras de Moçambique, porém não mais como elemento em sua pureza, mas já híbrido, misturado ao Diverso de outras culturas. Trata-se de uma análise realizada a partir do diálogo entre a produção miacoutiana, a poética da Relação de Édouard Glissant e pensamento filosófico de Adorno sobre estética da arte em que ele expressa sua visão sobre a lírica, seu alcance expressivo enquanto ação, e a partir daí sua relação com o social. Em meio a esta dinâmica, percebe-se como a linguagem, e o uso da palavra na literatura é Relação (GLISSANT, 2011), pois sem se manter enraizada em um ponto único, a linguagem funciona como um tipo de errância, que segue seu percurso através do verbo, este desbravador horizontes novos, rompedor de fronteiras e fluidor de ideias que se espalha, se mistura e se faz poética, aproximando e entrelaçando os seres, os lugares, os tempos, as histórias e as cultura. Eis o Diverso no mundo, em sua totalidade, Sendo e se fazendo em ciclo incessante de contatos, de poéticas postos e dispostos ao devir da Relação.
Palavras-chave: ERRÂNCIA, NOMADISMO, LÍRICA, SOCIEDADE
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