A literatura produzida nos Estados Unidos sempre foi fascinada pelas diferentes manifestações do mal. Das histórias do período colonial sobre a selvageria dos nativos até a ficção contemporânea sobre vampiros e zumbis, os escritores tentam entender e representar a natureza do mal. Uma das formas mais notáveis e persistentes dessa experimentação ocorre no romance de crime hard-boiled, que, desde seu início na década de 1920, tem examinado repetida e insistentemente a depravação, a iniquidade e a corrupção. A chave para entender o mal na ficção hard-boiled, entretanto, é perceber que a viela metafórica não é apenas mais realista, mas é também povoada com políticos corruptos, empresários desonestos, juízes hipócritas, policiais subornáveis, advogados venais e cidadãos apáticos, que, tendo oportunidade, olham para o outro lado. Esse subgênero é fascinado pelo mal, mas seus crimes de omissão e cometimento, suas traições e depravações, seus estupros e assassinatos, não estão restritos, de maneira segura, a uma esfera criminal claramente demarcada. Ao contrário, eles fazem parte do tecido social, uma trama ilícita na urdidura lícita – simplesmente parte de como as coisas são. As ruelas se ligam a ruas, e ruas de todos os tipos, a todos os tipos de casas e prédios. A ideia de que o mal une diferentes partes da sociedade tem um apelo para o nosso senso do real – sabemos, não importa quanto queiramos negar, que o mal lá não é tão diferente do mal aqui. Esse conceito do mal na ficção hard-boiled apareceu na onda de crimes ocorrida na época da Proibição, na qual o subgênero muito se inspirou. Um dos efeitos não intencionais da tentativa de banir o álcool foi criar, ou revelar, conexões sistemáticas entre o crime organizado, os grandes negócios e o mundo político. Envolveu também cidadãos comuns, com suas garrafas de bebidas contrabandeadas ou suas visitas sub-reptícias aos pontos de venda ilegais, num ato criminoso. Assim, o mal da ficção hard-boiled é ao mesmo tempo social e pessoal, um fenômeno tanto da sociedade que circunda e molda indivíduos normais quanto dos próprios indivíduos. A história do romance hard-boiled pode ser vista como uma meditação duradoura sobre esse tema, uma exploração cada vez mais profunda e ampla de um tipo de mal que conecta níveis sociais e indivíduos numa rede de iniquidade. Será examinado o mal em obras de Dashiel Hammett, Raymond Chandler e James Elroy para entender como esses autores lidam com os obstáculos que tanto o indivíduo quanto a sociedade contrapõem a uma perfeição potencial do ser humano.
Palavras-chave: CRIME NA LITERATURA, LITERATURA NORTE-AMERICANA, LITERATURA COMPARADA