O pensador francês René Girard (1923-2015) apresentou três intuições fundamentais em seus três primeiros livros: Mentira Romântica e Verdade Romanesca (1961), A Violência e o Sagrado (1972) e Coisas Ocultas desde a Fundação do Mundo (1978): o caráter mimético do desejo, o mecanismo do bode expiatório e a função da religião na origem da cultura. Em síntese, a teoria mimética elaborada por Girard reflete sobre a violência humana e as origens da cultura e sobre o papel da religião nesse processo. Inicialmente, a teoria mimética germina através da literatura, quando Girard percebe que escritores como Cervantes, Stendhal, Flaubert, Proust e Dostoievski possuem um conhecimento sobre a dinâmica da violência humana reconhecível na representação literária de relações humanas que caem na rivalidade devido a uma relação entre duas pessoas próximas que se espelham uma na outra, (sujeito e modelo) e que passam a desejar os objetos que a outra possui ou deseja possuir. Para Girard, o desejo humano é não é considerado pelos grandes escritores como original e independente, e sim como mimético ou imitativo. Tal desejo cria uma rede de tensões e invejas, rancores, ressentimentos, revides e vinganças entre amigos, vizinhos e irmãos ou dentro de toda uma comunidade. Em um grupo humano repleto de sujeitos e modelos competindo pelos mesmos objetos, a tendência à desintegração torna-se real. Para evitá-la, cada grupo humano encontrou um meio de formalizar um mecanismo de controle da violência social, o mecanismo do bode expiatório, quando a violência de todos é dirigida a uma única vítima. Tal mecanismo revela que linchamentos e assassinatos fundadores que estão presentes, na hipótese de Girard, na origem da cultura humana. Desde o início dos tempos os homens estão envolvidos com a morte de vítimas inocentes assassinadas por uma multidão. A escritora estadunidense Carson McCullers (1917-1967) parece possuir um conhecimento sobre tais questões. Neste trabalho, analisaremos a novela “A Balada do Café Triste”, presente na coletânea A Balada do Café Triste e Outras histórias (1951) considerando o linchamento inerente ao mecanismo do bode expiatório, as punições sociais contra pessoas desviantes de normas estabelecidas e a visão de McCullers sobre uma comunidade de uma cidade pequena no Sul dos Estados Unidos e sobre um grupo de presos acorrentados uns aos outros. A personagem senhorita Amélia Evans, fazendeira e proprietária de uma destilaria não segue os padrões de gênero reservados às mulheres e enfrentará dificuldades ao adotar um anão como seu companheiro. O sentido da figura de Satanás é visto por Girard como o impulso de acusar, perseguir e criar escândalos que antecedem o linchamento de uma vítima inocente: o bode expiatório, ou aquele que foi “pego para Cristo”. Discutiremos a percepção de McCullers sobre a situação de outsiders, pessoas desviantes das normas sociais e o risco que elas correm ao manterem um vínculo frágil com sua comunidade e poderem tornar-se bodes expiatórios em potencial. Investigaremos ainda o grupo de presos acorrentados que finaliza o conto e os possíveis significados que ele encerra utilizando para a perspectiva girardiana para a análise.
Palavras-chave: TEORIA MIMÉTICA, RENÉ GIRARD, CARSON MCCULLERS, BODE EXPIATÓRIO