Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
DE CRIMES E PECADOS: A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO EM MEIA CULPA, MEIA PRÓPRIA CULPA
TATIANA ALVES SOARES CALDAS
O conto Meia culpa, meia própria culpa, integrante da obra O fio das missangas, narra a trajetória de uma mulher, à espera de julgamento, presa por ter supostamente assassinado o marido. Em uma espécie de monólogo, em que as referências ao interlocutor são apenas depreendidas do discurso da narradora-protagonista, o texto em tom confessional atua como um testemunho da condição feminina, marginal e discriminada, denunciando as situações de humilhação física e psicológica a que são submetidas as mulheres em sociedades patriarcais. Ao pedir-lhe que conte a sua história, o interlocutor – que em determinado momento é referido como sendo um escritor – acaba por dar voz àquela que desde sempre fora calada pela sociedade. A narrativa constitui-se do relato da protagonista acerca de um crime que ela teria cometido, e pelo qual está presa, aguardando julgamento. Em uma estrutura que lembra muito a de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, tem-se um interlocutor cuja voz não é ouvida, a quem a suposta homicida conta a sua história. O título revela-se altamente sugestivo, pois adota uma expressão de origem latina que poderia ser traduzida como “minha falha” ou “meu próprio erro”. A expressão pode ainda aparecer na variante “minha máxima culpa”, agravando a falta ali demonstrada, sendo traduzida por “minha maior / mais grave falha”. Presente na liturgia católica, a referida expressão preside o momento em que o fiel assume as faltas cometidas, confessando-as, no ato de contrição. Popularmente, o sintagma mea culpa também é utilizado quando alguém reconhece um erro e assume-o publicamente. Dessa forma, verifica-se que a referida expressão está ligada ao conceito de confissão. Curiosamente, as duas situações passíveis de confissão são crimes ou pecados e, no conto em questão, ambas dialogam com a trajetória da protagonista. Em Meia culpa, meia própria culpa, o recurso à expressão citada serve simultaneamente a dois propósitos: revela o caráter repressor e punitivo que cerca a protagonista – tanto do ponto de vista social quanto religioso, na adoção do Mea culpa cristão –, e, ao ser adaptado para meia culpa, antecipa a imagem fragmentada da personagem central, denominada Maria Metade, que será reiterada ao longo da narrativa. A história é narrada em 1ª pessoa, evidenciando os sentimentos da protagonista, que se apresenta como alguém destituída de qualquer direito, sendo dotada, inclusive, de um nome que lhe acentua a ideia de inferioridade. O início da narrativa já demonstra a sensação de incompletude que acomete a personagem, marcada por sinais de uma existência esfacelada. Partindo do pressuposto de que o discurso da protagonista se constitui numa denúncia do silenciamento e da dominação em relação à figura feminina, o presente estudo analisa a representação da mulher no referido conto como signo de opressão da alteridade, a partir dos conceitos de crime, confissão, identidade e sonho que perpassam a obra.
Palavras-chave: CRIME, ALTERIDADE, FEMININO, MIA COUTO
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