O trabalho é um dos tentáculos de uma tese de doutorado que se propôs a pensar o ensaio como gênero capaz de mediar produção literária e atuação política, característica saliente na tradição ensaística latino-americana. A título de exemplificação, apresento uma leitura de textos que o argentino Julio Cortázar escreveu em defesa da Revolução Sandinista e coligiu no volume Nicaragua tan violentamente dulce (1983). Após cerca de uma década de trânsito entre Paris e Cuba, tendo tomado parte em diversas atividades ao lado de outros escritores – período marcado por um grande debate transcontinental sobre o alcance social da literatura –, Cortázar encontrou novo fôlego criador e militante na luta do movimento sandinista. Desde o triunfo dos insurgentes em 1979 até 1984, ano em que falece, Cortázar frequentou a Nicarágua e produziu dezenas de artigos e ensaios que descreviam e analisavam os sucessos e sobretudo as dificuldades do processo revolucionário levado a cabo pela Junta de Reconstrução Nacional. Os relatos são marcados pela presença ostensiva de uma voz em primeira pessoa e pelo rearranjo de sentidos a partir de outros textos – estratégias típicas do ensaio, gênero no qual o comentário se converte em força motriz de novos atos interpretativos. Sendo assim, os textos de Nicaragua tan violentamente dulce despertam interesse em razão dos diferentes procedimentos articuladores do tempo presente ali encontrados. Entre tais procedimentos, destaca-se aquele que melhor revela o caráter mediador do discurso ensaístico: em textos como “Los pies de Greta Garbo” e “Diez puntos sobre las íes”, o ensaísta reage contra artigos publicados no jornal francês Le Monde nos quais a realidade nicaraguense estaria distorcida por interesses manipulados pela imprensa internacional com o objetivo de desqualificar a Revolução Sandinista perante a opinião pública. Nesses textos, as figurações do enunciador e do leitor revelam a imersão da atividade intelectual em um ambiente alimentado pelos meios de comunicação de massa, força que emerge em um contexto de circulação de ideias distinto do que se vivera nos anos de efervescência revolucionária em Havana. Assim, um olhar crítico atento às engrenagens do discurso ensaístico permite compreender os textos de Cortázar como exemplares de uma atitude escritural que pode ser entendida como uma interposição, devido à vontade do escritor, frequentemente traduzida em tom alarmista, de infiltrar seu texto entre o leitor e as notícias veiculadas pela imprensa massiva, sem que, no entanto, a eficácia dessa intervenção seja assegurada. Esse traço perpassa diferentes textos da coletânea, em um crescendo que ressalta o caráter dramático da atuação intelectual do ensaísta – o que se traduz em metáforas como a da “garrafa lançada ao mar” e a da “voz que clama no deserto”.
Palavras-chave: ENSAIO, JULIO CORTÁZAR, ATUAÇÃO INTELECTUAL, AMÉRICA LATINA