O presente trabalho procura comparar os Diários de Joaquim Nabuco com o Diário íntimo e o Diário do hospício de Lima Barreto no que diz respeito a seus trânsitos literários, acreditando que a partir daí possam-se delinear imagens das relações do escritor brasileiro com o estrangeiro em fins do século XIX e início do XX alternativas às da cópia subserviente e da apropriação crítica. Tal comparação será feita sobretudo tendo em vista o contraste entre eles: Joaquim Nabuco viajou pela Europa, os Estados Unidos e a América Latina, Lima Barreto mal saiu do Rio de Janeiro durante sua vida; Nabuco encontrou-se com diversos escritores e intelectuais estrangeiros durante suas viagens, enquanto o contato de Lima Barreto com intelectuais estrangeiros limita-se, nos diários, a alguns poucos editores portugueses; as diferenças de posição social, política, e da própria concepção de literatura dos dois autores; ainda, as diferenças de suas conformações ao campo literário em vida e na posteridade, que parecem traçar movimentos inversos (para Joaquim Nabuco, a consagração em vida e seu posterior esmaecimento; para Lima Barreto, o silêncio em vida e a consagração póstuma). Observar tais trânsitos nos diários dos escritores – gênero fragmentário e avesso à totalização que, também, transita entre diversas províncias do discurso – permite que vejamos as ambiguidades e hesitações desses trânsitos. Joaquim Nabuco, confrontado, sobretudo enquanto foi adido de legação nos Estados Unidos, com a velocidade da sociedade moderna e o papel que nela o mercado e o desenvolvimento tecnológico desempenham, os combate em favor dos valores tradicionais de uma Europa idealizada – na qual tentará sua consagração definitiva enquanto escritor, publicando diversos livros em francês. No entanto, pode-se perceber o modo como tais confrontos imiscuem-se em sua escrita diarística, em que a tecnologia torna-se pouco a pouco grande fonte de metáforas. Além disso, por vezes seu diário é tomado pela velocidade do telégrafo, tão criticada pelo escritor. Lima Barreto, por outro lado, para quem o contato com o estrangeiro se dá sobretudo pela via da leitura e do desejo, em especial o de pertencer ao que ele chama de “a grande Humanidade”, versão sua do topos da República das Letras, pátria intelectual cujas fronteiras passariam ao largo das fronteiras políticas das nações, estrangeiriza-se em relação a seu meio intelectual próximo, lançando sua imagem em direção a essa fatia da humanidade à qual almeja pertencer. Se, no caso de Joaquim Nabuco, a nostalgia da civilização europeia e a tentativa de consagração no estrangeiro em oposição à modernização então em marcha parecem apontar para um malogro, que tem sua nota irônica na invasão de seus diários pelo aparato técnico de então, o exílio espiritual de Lima Barreto aponta tanto para a construção de afinidades eletivas transnacionais e transtemporais capazes de operar fraturas na pretensa unidade da nação e em seu projeto de modernização quanto para os impasses e dificuldades em manter-se nesse exílio.
Palavras-chave: DIÁRIO DE ESCRITOR, TÉCNICA, MODERNIZAÇÃO, REPÚBLICA DAS LETRAS