Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
CUORE, GRACILIANO
MARCOS FALCHERO FALLEIROS
Desde adolescente, muito antes de sua estadia de um ano, entre agosto de 1914 e 1915, no Rio de Janeiro, quando escrevia cartas à irmã evocando-a como “Leonor del mio cuore”, Graciliano Ramos referia-se a seu aprendizado de italiano, cujo indício se encontra em resenha, em títulos e epígrafe de seus poemas. Quanto às aulas de italiano que possivelmente teria ministrado, há referências mas não há informações precisas sobre período e circunstâncias. De qualquer modo há algo de misterioso e exótico em suas manifestações profusas de forte adesão ao aprendizado de uma língua sem atrativos para a cultura sertaneja, que, quando pretendia sofisticar seu coronelismo com refinamentos de civilização, tinha, entre os itens bem demarcados de um luxo importado, o francês. No corpo biobibliográfico do autor também não se encontra informação dos motivos de sua simpatia. Educado por um pai brutal afligido pela busca de ascensão econômica e a “patente” de coronel, o menino que aos nove anos era quase analfabeto, como diz Graciliano em Infância, ainda que segregado de um contexto de elite sertaneja, revelava, já desde os onze, riqueza e propriedade de léxico, forte domínio tanto de articulação textual como de aproveitamento imagético, muita habilidade para a versificação, além de dedicar-se, autodidata, como sempre foi em todas as suas atividades intelectuais, ao estudo de línguas, chegando na maturidade ao esperanto e à tradução de duas obras, do inglês e do francês. Quanto ao italiano, além das tantas referências que disseminou com particular destaque, como a epígrafe de Silvio Pellico, de Le mie prigioni, que apôs ao soneto de juventude “A aranha”, o momento em que se deteve mais esmiuçadamente no assunto foi uma pilhéria de alta voltagem hilariante, a respeito dos professores improvisados. Trata-se de um crônica em que para exemplificar a precariedade do ensino no sertão, lembra que certa vez tentou dar aulas de italiano, um empreendimento que visava a lucros com um quê de O homem que sabia javanês, de Lima Barreto. Bastaria acrescentar “oni” ou “ine” no final das palavras e anunciar: “Italiano rápido e barato a cinco mil-réis por cabeça, mensalmente. Aproveitem. Lições em todos os dia úteis e inúteis. Tempo é dinheiro, como diz o gringo.” É esse espírito desmistificador das imposturas que verbera Ricardo Ramos, quando este faz uma crítica leviana a Gramsci. Ao lembrar que o pai lera a maior parte da teoria política do filósofo italiano no original, o filho reivindica mais atenção aos cadernos do prisioneiro do fascismo na relação pouco lembrada com Memórias do cárcere. Mais que isso, poder-se-ia pressupor que o jovem intelectual sertanejo teve tamanha afeição pelo italiano, sem nenhum contexto propício, graças ao contato com a Divina Comédia, já que o grande leitor interiorano percorreu vorazmente a literatura ocidental pelo critério canônico das grandes obras. Seria uma ótima pista para equacionar na gênese de sua obra, e não só limitadamente à Angústia, a dívida, na forma, com o ritmo e a precisão árida da sintaxe e, no conteúdo, com a expressividade sombria do Inferno dantesco.
Palavras-chave: GRACILIANO RAMOS, LÍNGUA ITALIANA, DANTE ALIGHIERI, LITERATURA COMPARADA
voltar