Anais
RESUMO DE ARTIGO - XV ENCONTRO ABRALIC
ALÉM DAS FRONTEIRAS: OS MENINOS FUGITIVOS DE ITALO CALVINO E FERNANDO BONASSI
NATALIA GUERRA BRISOLA GOMES
A leveza é uma das características literárias sobre as quais Italo Calvino discorreu na série de conferências que pretendia ministrar na Universidade de Harvard, em Cambridge, entre os anos de 1985 e 1986. O falecimento do autor italiano, em 1985, o impediu de completar suas Seis propostas para o próximo milênio (1988), mas não foi obstáculo para a difusão dessa obra por todo o mundo. Esse conjunto de estudos, desenvolvido num momento de questionamentos gerais quanto ao futuro dos livros e da literatura, dispõe-se a destacar valores que, para Calvino, garantiriam a persistência dessa arte nos tempos vindouros. Para vislumbrar o futuro, as palestras buscam exemplos no passado, elencando grandes nomes da literatura italiana e universal. Na lição sobre a leveza, são citados Ovídio, Eugenio Montale, Guido Cavalcanti, Lucrécio, Cervantes, Shakespeare, Boccaccio, Rabelais e Kafka, entre outros, de cujas produções são levantados efeitos de leveza, atingidos por meio de imagens de levitação, traços de luz surgidos das trevas, figuras insólitas, humor ou qualquer outra ferramenta que rompesse com a monotonia e a negatividade. O objetivo era sempre combater o peso com que eram representados os eventos humanos íntimos ou sociais, em sua natureza graves e melancólicos. Por fim, tal efeito é alcançado na ficção do próprio Italo Calvino, como propomos ilustrar em uma análise de seu romance O barão nas árvores (1957). A história de um menino que decide passar o resto de sua vida sobre árvores, negando seu pertencimento à sociedade, por si só apresenta uma imagem de elevação física, constante desafio à lei da gravidade. Soma-se a isso o tom fabular que o narrador assume, a ironia na construção dos demais personagens e, por fim, a qualidade insólita do protagonista, que gradualmente afasta-se da representação do mundo real e integra-se a um ambiente oposto, maravilhoso: a floresta. Em seguida, buscaremos os pontos de encontro e divergência desse livro com uma narrativa brasileira mais recente, O menino que se trancou na geladeira (2004), de Fernando Bonassi, e seus métodos de alcance da leveza. Novamente deparamo-nos com uma narrativa lúdica e irônica, também protagonizada por um menino que não encontra seu lugar na comunidade em que nasceu. Assim como aconteceu com o personagem calviniano, a fuga dessa criança para a geladeira, um lugar mágico, é uma jornada de autoconhecimento que lhe confere autonomia sobre seus próprios atos. Enquanto o romance de Calvino ambienta-se num cenário antecessor à Itália em que o autor vivia, o livro de Bonassi apresenta uma prospectiva da sociedade brasileira. Aproximando-os, vemos não apenas a estreita relação entre passado, presente e futuro, como também a universalidade dos conflitos do indivíduo, que independem de sua nacionalidade. Em ambos os casos, a leveza não atua como evasão da realidade, mas como breve distanciamento, fundamental para melhor compreensão daquilo que existe no interior e ao redor do ser humano.
Palavras-chave: ITALO CALVINO, FERNANDO BONASSI, LEVEZA, INSÓLITO
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