NOTA DE FALECIMENTO WLADIMIR KRYSINSKI (1935-2020)

Conheci Wladimir Krysinski logo após meu doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada com o grande folclorista russo Eleazar Meletinski. Encontrei um poliglota, com domínio fluente de, pelo menos, dez idiomas e uma paixão quase fabulosa por inúmeras literaturas. Começamos uma amizade intelectual que perdurou até seus últimos meses. De origem polonesa, Wladimir Krysinski, que nos deixou no último 17 de setembro, foi por muito tempo professor de Literatura Comparada na Universidade de Montreal (Canadá). Krysinski tinha deixado a Polônia da repressão comunista no começo dos anos 1960 para ocupar a vaga de leitor de língua e literatura polonesa na Universidade de Estrasburgo, na França, onde fez doutorado em Literatura Comparada sobre a modernidade da dramaturgia de Luigi Pirandello. Na mesma universidade francesa, Krysinski conferenciou, dois anos atrás, num colóquio internacional dedicado justamente ao grande dramaturgo italiano. Durante esse último período, preparou uma coletânea de poesias escritas em polonês ao longo da vida, publicada em Varsóvia. Na Polônia, foram organizados dois lançamentos: um na Academia de Ciências de Varsóvia e outro em ?ód?, cidade polonesa de seu nascimento, onde a família se instalou após a Primeira Guerra Mundial. Incontáveis as publicações: ensaios, volumes críticos, coletâneas, artigos – sinais de uma sabedoria imensa, analítica e capaz de grandes sínteses político-culturais. Sob a sugestão de Jerusa Pires Ferreira e Boris Schnaiderman, outros inesquecíveis pesquisadores que nos deixaram recentemente, a Editora Perspectiva, de São Paulo, publicou, em 2007, um interessantíssimo conjunto de ensaios intitulado Dialéticas da Transgressão – O Novo e o Moderno da Literatura do Século XX. O livro, dedicado à memória do poeta Haroldo de Campos, reúne pesquisas teóricas e literárias em que emerge o conceito de comparatismo como método afinado e necessário para o estudo e a interpretação do fenômeno literário. A literatura, para Krysinski, era lida de forma questionadora e problemática em relação a outras áreas do conhecimento. Em 2006, a coletânea Comparación y sentido – Varias focalizaciones y convergencias literarias foi publicada pela Editora da Universidade Católica Sedes Sapientiae, de Lima (Peru). Ocupei-me pessoalmente desse volume crítico em que Krysinski evidencia que a epistemologia da literatura é uma forma de saber múltiplo em que confluem a História, a Antropologia, a Filosofia, a Hermenêutica, a Psicanálise, a Estética. Krysinski dialogava polemicamente, mas sempre com ironia e elegância, com as culturas multifacetadas do mundo. A literatura assumia, assim, para ele, o lugar do discurso transgressivo por excelência que, partindo do contexto histórico e de sua metamorfose, funciona como indagação sobre os questionamentos da existência. É esse o legado que nos deixa Wladimir Krysinski para um comparatismo realmente aberto, polissêmico, transcultural que interroga Babel e a nossa atualidade.

Biagio D’Angelo Instituto de Arte – Universidade de Brasília

 

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