A nuvem iluminada da Abralic

Depois de uma semana participando do XV Congresso Internacional da Abralic (Associação Brasileira de Literatura Comparada), na UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), no qual apresentei uma comunicação sobre a relação da escrita íntima e a poética de Ana Cristina Cesar, muitas questões permanecem na minha mente tanto sobre literatura quanto sobre o cenário do evento e o espírito do tempo em que vivemos. Há duas semanas estive na FLIP (Feira Literária Internacional de Paraty) e o debate também foi intenso, engajado mas descontraído, em meio à bela paisagem e o casario colonial. No Rio de Janeiro, a tranquilidade é constantemente adiada.

Na Abralic, sob o tema geral “Textualidades contemporâneas”, estivemos todos à frente das trincheiras da crise política e econômica brasileira. O desconforto era evidente: como a UERJ vai resistir à sangria econômica que a paralisa com a falta de repasses do governo estadual? Na verdade, com tantos problemas expostos no último ano e agora com a realização da Abralic, penso que a conturbada manutenção da UERJ ganhou projeção internacional e a procura por um modelo de gestão mais eficiente deve ser a preocupação de todos, a começar do Estado que consta em seu nome. Durante esta semana, logo após a Abralic,  com a reunião de parlamentares na UERJ, surgiu a proposta de uma PEC que pode garantir a autonomia da universidade, mas ainda há um longo caminho para que isso seja viabilizado.

A questão da relação entre a literatura e a crítica não tem nada de novo e foi pano de fundo de tantos outros pontos que surgiram durante o simpósio do qual fiz parte, “Poesia Contemporânea: Crítica e Transdisciplinaridade”, coordenado pelos professores Leonardo Davino (UERJ) e Carlos Augusto Bonifácio Leite (UFRGS). Um dos pontos de debate foi questionar se a poesia é (ou continua a ser) uma forma de resistência, o que nos levou a refletir sobre o silêncio das manifestações de rua depois de junho de 2013. Depois do encontro, pensei que a questão tem mais a ver como a poesia pode ser uma forma de resistência do que com se. Tenho me perguntado se uma poesia impregnada pela revolta do momento, com o risco de se tornar panfletária, não coloca em risco o próprio fazer poético, aproximando-o da política, do jornalismo, da propaganda. Sim e não – respondo -, lembrando que é preciso (re) ler com urgência os poemas de Bertolt Brecht, cujos poemas permanecem vigorosos em sua força contestatória.

Alguns dias depois do evento, resta a convicção de que o encontro, por si só, foi uma forma de resistência poética ao nosso tempo de tantos gritos e também de silenciosas conivências. Ao promover os costumeiros simpósios – que evidenciam pesquisas acadêmicas em andamento e reúnem interesses afins – a Abralic caminha para ir além da agenda compulsória do Currículo Lattes. Nessa edição, proporcionou um encontro original e alentador, com mesas plenárias com pesquisadores convidados de diferentes partes do mundo, debates com escritores, vendas de livros, prêmios, música, cinema, teatro, entre muitas outras oportunidades de discussão sobre literatura não apenas sob seu aspecto crítico, mas também como expressão artística. Uma legião de voluntários – capitaneada  pelo professor João Cezar de Castro Rocha (UERJ), presidente da Abralic, e sua equipe – fez do evento uma oportunidade rara de compartilhamento cultural. Fico com uma última imagem, usada pelo professor Silviano Santiago – também homenageado – em seu texto que analisava o conto “As margens da alegria”, de João Guimarães Rosa. Não entro no mérito do texto de Santiago – sempre contundente, dessa feita referenciado pelo filósofo e crítico de arte Georges Didi-Huberman e pelo cineasta e escritor Pier Paolo Pasolini -, mas só pego de empréstimo a nuvem de vaga-lumes que ele, por sua vez, resgatou de Guimarães Rosa. Em resumo: que a ABRALIC possa ser uma nuvem iluminada para ancorar anualmente uma parceria entre a discussão acadêmica e a literatura.

*Crédito da foto: Divulgação Abralic

João Cezar de Castro Rocha (ao fundo) e voluntários da Abralic

Sobre o autor

CESAR GARCIA LIMA Cesar Garcia Lima é doutor em Literatura Comparada (UERJ), mestre em Literatura Brasileira (UFRJ), poeta e jornalista (Cásper Líbero). Autor dos livros de poemas Águas desnecessárias e Este livro não é um objeto, dirigiu os documentários Soldados da borracha e Onde minh’alma quer estar. Atualmente, desenvolve pesquisa sobre crítica na Literatura Brasileira Contemporânea (UFF), com bolsa de pós-doutorado da FAPERJ. Nascido no Acre, vive no Rio de Janeiro

Fonte: http://www.oquinze.com.br/nuvem-iluminada-da-abralic/

 

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