Notícias do front: ABRALIC 2017 – UERJ

Em alguma edição do antigo JB, Aldir Blanc escreveu sobre “genocídio de sonhos”. E ontem eu fui à UERJ. E ontem foi o encerramento do XV Congresso da ABRALIC e, no palco do teatro Odylo Costa Filho, duas alunas da Universidade puderam contar um pouco da história de suas vidas e muito da de seus sonhos, ligados todos àquela instituição. Feito raro em encerramento de Congresso, onde a celebridade era o professor Silviano Santiago e sua história de “curiosidade intelectual”, o teatro estava lotado e elas tremiam, intensas de vida, de sonhos e de luta. Foi bom ver uma garotada trabalhadora sorrindo e lutando para que aquela casa não desabasse e a casa e o evento fossem um sucesso. E foi. Mais: se meu sorriso claudica, gauche que também sou, o daquela turma, vivo, enchia o ar, elétrico. Ali estavam os nossos melhores jogadores, a nossa maior seleção. E eu, que só entendo do riso mordaz, ácido, irônico, que já é de certa forma dor, não estava conseguindo acreditar no que muitas vezes escrevi no Facebook e aqui mesmo, no Ideias: não será mais possível, através do diálogo, apesar do descolamento do discurso dos governantes e dos seus exemplos, convencer essa garotada a desistir, a voltar para casa e repetir a história de seus pais. Seus antepassados saíram das senzalas, da seca do nordeste encharcado de coronéis, seus avós e pais sobreviveram nos bairros pobres de municípios distantes, ou nas favelas e comunidades da capital, mas, agora, seus filhos querem e podem muito mais.

Distraído, talvez você não tenha percebido, mas os salões do debate intelectual estão lotados. Os teatros, os clubes, as praças agora também são tomados para ouvir filósofos, historiadores, pensadores. As feiras literárias têm novos atores e os nomes vão surgindo e, ao contrário do que pensávamos, uma vez surgidos, não desaparecem mais: as Amandas, os Claudios, os Severinos, as Macabeas, quando voltam para casa, voltam com livros – os perigosos livros – e, uma vez lidos, vão espalhar ideias renovadas por aqui. Vão acordar quem não sabia que dormia. Em casa, na rua, nas igrejas, vão plantar um som aonde havia barulho, vão piscar aonde a luz cegava. Sim. É verdade. O clube dos loucos reage “erguendo estranhas catedrais”. E dá-lhe canalhas nos sonhos de um país mais justo. Mas já era. Essa garotada percebeu que a palavra é pública e, como um átomo, guarda poder. Então, depois que a descobriram, viram e estudaram sua cor, sua capacidade de luz e escuridão, de som e barulho, se apossaram dela e, agora, vão desmontá-la, desestruturá-la, o que quer dizer que vão estruturá-la de outro modo. E, agora, muitos mais participarão desta ceia e todos teremos que aprender a digerir a palavra nova. Tente lembrar, antes do ano 2000, de uma praça brasileira cheia de pessoas querendo ouvir e debater ideias. De posse do alimento e do alimento-palavra, Caliban também quer ir à Ágora. E ela está enchendo e os garotos, desta vez, não vêm apenas vender balas e bater na janela do carro. Deixaram que as palavras lhes chegassem, agora, eles querem, podem e vão falar.

Quando o professor João Cezar de Castro Rocha entrou no palco, os aplausos e a festa dos alunos comprovaram: algo mudou. Apesar de Sérgio Cabral, de Pezão “e sua corja de assassinados, estupradores e ladrões”, a UERJ festeja e celebra, antes e depois do estudo, antes e depois de ouvir a palavra. Algo mudou porque não eram os sisudos, os duros, os severos tempos em que a luz entrava na sala e iluminava “a-lunos”, colocando-os contra a parede. Quando o professor Silviano Santiago entrou, trouxe seus vagalumes, começando pelo do Guimarães Rosa de As margens da alegria, os de Didi-Huberman, para juntarem-se aos vagalumes da UERJ. Foi possível pensar no efeito apagador da luz do holofote do estado fascista, do aspecto silenciador dos alto-falantes. Ficou fácil, então, professor: luz demais não deixa ver-enxergar; som demais não deixa ouvir-escutar.

No dia anterior, o professor Costa Lima, através de Ana Lúcia Machado de Oliveira, já tinha feito que eu prestara atenção, para a minha pesquisa, na diferença entre ‘controle’ e ‘censura’, e que, talvez, o centro da minha reflexão seja mais aquele do que esta. Sim. Entendi muito mais: uma aula é boa quando ganhamos algo, mas, sobretudo, é sensacional quando aponta o que nos falta. É, então, o sol de João Cabral, aquele que esclarece, que indica o caminho.

Obrigado, obrigado, obrigado.

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Já sabemos que eles não ligam para a posteridade. Não se importam se, daqui a 30 anos, forem lembrados como os maiores ladrões da história deste estado – deste país. Até porque acreditam que outros virão superar seus números, até porque seguem uma tradição familiar. Não importa a guerra que deixarão nem os corpos de suas irresponsabilidades egoístas, uma vez que nunca serão corpos de sua casa. Vivem a festa enquanto podem, e a festa, como sabemos, em muitos casos, dura a vida toda. Por fim, garantem algum império aos seus herdeiros, que, livres do pecado original, falarão sobre honra e empreendedorismo, tendo apagado as marcas do parentesco de seus sobrenomes. Mesmo perdendo, eles nunca perdem o suficiente.

Ao resto de nós, cabe ser feliz com e como os vagalumes. E isso é bom.

Fonte: http://ideiasaderiva.blogspot.com.br/2017/08/noticias-do-front-abrali-2017-uerj.html

 

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